suas vocações na prática da leitura orante das Sagradas Escrituras
A prática da Lectio Divina é uma das devoções mais presentes na vida dos santos. Por meio da meditação das Sagradas Escrituras, eles foram capazes de encontrar a face de Jesus, que se revela a cada versículo lido. É por isso que, querando esmiuçar o valor dos Textos Sacros, São Jerônimo dizia a seus fiéis: “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo” [1]. Quem se põe a escutar a Palavra, escuta, pois, a própria voz de Deus; faz como reza o salmista: “É tua face, Senhor, que eu procuro” (cf. Sl 27, 8-9).
Diferentemente do que acusam
os protestantes, a Igreja sempre incentivou a leitura das páginas sagradas. Ao
mesmo tempo, os santos padres nunca deixaram de insistir numa leitura dentro da
«t radição
viva de toda a Igreja». Essa preocupação se deve ao fato de que
também a Bíblia, quando mal interpretada, pode conduzir o homem ao erro. Que
foram as tentações de Cristo no deserto senão “tentações bíblicas”? Desafiou
Satanás: “Se és o Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: ‘Ele deu a
seus anjos ordens a teu respeito; eles te protegerão com as mãos’” (cf. Sl 90,
11). Quando se perde a dimensão eclesiológica das Sagradas Escrituras,
perde-se, por conseguinte, o próprio sentido das Escrituras, pois não seria
possível crer em suas palavras se a isso não nos levasse a autoridade da Igreja
[2].
Assim se justifica a luta do
Magistério contra a doutrina luterana da Sola
Scriptura (Somente
a Escritura). Trata-se de uma defesa do sentido autêntico da Bíblia, de uma
defesa contra reducionismos baratos, manipulações desonestas, fundamentalismos
agressivos, que, no mais das vezes, levam grande parte dos cristãos à perda da
fé, como também muitos céticos e pagãos a recusarem os ensinamentos
evangélicos.
Por outro lado, a prática da Lectio
Divina, isto é, a leitura das Sagradas Escrituras realizada sob a
luz da Tradição, longe de induzir os fiéis a falsas devoções, abre-lhes um
caminho seguro para o encontro com Cristo. Isso porque, como definiam os
Padres, “a Sagrada Escritura está escrita no coração da Igreja, mais do que em
instrumentos materiais” — «Sacra Scriptura principalius est in corde
Ecclesiae quam in materialibus instrumentis scripta». A religião
cristã não é a religião do livro mas da Palavra, que é Jesus. Essa Palavra, por
sua vez, confiou seu depositum fidei, quer por meio do testemunho oral, quer
por meio do testemunho escrito, à tutela de sua Igreja.
Santos de todos os séculos
experimentaram essa verdade, descobrindo suas vocações no seio da Igreja orante
e intérprete fiel da Revelação [3]:
[...] Certamente não é por acaso que as grandes
espiritualidades, que marcaram a história da Igreja, nasceram de uma explícita
referência à Escritura. Penso, por exemplo, em Santo Antão Abade, que se decide
ao ouvir esta palavra de Cristo: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que
possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céus; depois, vem e
segue-Me» (Mt 19, 21). Igualmente sugestivo é São Basílio Magno, quando, na sua
obra Moralia,
se interroga: «O que é próprio da fé? Certeza plena e segura da verdade das
palavras inspiradas por Deus. (…) O que é próprio do fiel? Com tal certeza
plena, conformar-se com o significado das palavras da Escritura, sem ousar
tirar nem acrescentar seja o que for». São Bento, na sua Regra, remete para a
Escritura como «norma retíssima para a vida do homem». São Francisco de Assis –
escreve Tomás de Celano – «ao ouvir que os discípulos de Cristo não devem
possuir ouro, nem prata, nem dinheiro, não devem trazer alforge, nem pão, nem
cajado para o caminho, não devem ter vários pares de calçado, nem duas túnicas,
(…) logo exclamou, transbordando de Espírito Santo: Com todo o coração isto
quero, isto peço, isto anseio realizar!».
Scott Hahn, ex-pastor
protestante, também experimentou essa verdade, assim como os santos, quando se
decidiu por uma escuta da Palavra de Deus, alicerçada na grande Tradição da
Igreja. Em seu comovente testemunho de conversão à fé católica, ele e sua
mulher, Kimberly Hahn, contam como foram surpreendidos pela fé bíblica da
Igreja, sobretudo na Santa Missa [4]:
[...] Então, subitamente, compreendi que era ali o lugar
da Bíblia. Aquele era o ambiente no qual esta preciosa herança de família devia
ser lida, proclamada e explicada. Depois passamos à liturgia Eucarística, onde
todas as minhas afirmações sobre a Aliança encontravam o seu lugar.
Hahn foi um ferrenho opositor
do catolicismo durante anos. Como pastor de linha calvinista, ele pregava “que
a Missa católica era o maior sacrilégio que um homem podia cometer” [5]. Essa
convicção o motivava a converter o maior número de católicos possível, a fim de
retirá-los da idolatria. Seus estudos teológicos, por conseguinte, tinham por
objetivo principal refutar cada ensinamento católico, mormente a divina
liturgia, a autoridade do papa e a devoção à Virgem Santíssima. Nada que a
Igreja Católica ensinasse poderia ser considerado bíblico.
Em 1979, poucos meses após a
visita de João Paulo II aos Estados Unidos, Kimberly Hahn apresentou ao marido
o livro “Sexo e a aliança matrimonial”, de John Kippley, que versava sobre a
moral católica e a contracepção. A coerência dos argumentos era tão eloquente,
que o casal, embora não admitindo ainda a verdade católica, viu-se obrigado a
abandonar os métodos anticoncepcionais. Esse foi o primeiro passo para a
reviravolta. Scott Hahn descobrira uma nova maneira de enxergar a Aliança de
Deus: ela não era apenas um contrato; Deus queria uma família.
Após o episódio, Scott Hahn
deu início a um estudo para fundamentar biblicamente as teses daSola
Fide —
doutrina protestante que nega o valor meritório das boas obras — e da Sola
Scriptura. Ora, a Sola
Fide e a Sola
Scriptura são
como que duas colunas do protestantismo. Toda a fé protestante tem como ponto
de partida esses dois preceitos básicos. A sua fundamentação era, portanto,
imprescindível para o pastor. Mas qual não foi sua surpresa ao descobrir que
ambas as teses luteranas não possuíam nenhum respaldo das Sagradas Escrituras.
De fato, a Igreja Católica estava certa! Com efeito, conforme Scott Hahn se
aprofundava em seus estudos, um a um iam caindo os dogmas do protestantismo: a
proibição do batismo de crianças, a negação das imagens, o repúdio ao culto
mariano etc. Scott iniciava o caminho para a Igreja.
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