O complemento da delação premiada de Francisco Assis e Silva, diretor jurídico do grupo J&F, dono da JBS, revela novos detalhes da acusação de envolvimento do presidente Michel Temer, do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do ex-ministro Geddel Vieira Lima na tentativa de comprar o silêncio de Lúcio Bolonha Funaro, apontado como operador de políticos do PMDB em esquemas de corrupção. Em um dos anexos de sua colaboração, Francisco relatou que Geddel, atualmente preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, lhe perguntou se “Joesley estava cuidando do passarinho”.
Segundo o delator, Geddel também teria informado que “Eliseu Padilha havia sido destacado pelo Presidente Michel Temer para cuidar desse assunto”. O silêncio de Funaro não durou muito e ele acabou firmando um acordo de delação premiada. Em sua própria colaboração, o operador relatou que Padilha tentou monitorar sua delação.
Em junho de 2017, o empresário Joesley Batista gravou um diálogo com o presidente Michel Temer, ocorrido em um encontro fora da agenda no Palácio do Jaburu. Os dois conservam sobre a situação de Eduardo Cunha, e o empresário diz que estava “de bem” com o ex-presidente da Câmara. O presidente então comenta: “tem que manter isso, viu?”. Em sua colaboração premiada, Joesley diz que o diálogo se referia à compra do silêncio de Cunha. Em depoimento aos procuradores do Ministério Público Federal, Joesley também afirmou que os pagamentos beneficiavam Funaro.
“Eu ouvi do presidente, claramente, que era importante manter isso (ajuda financeira a Funaro e Cunha). Enfim, a primeira missão minha lá (na reunião no Palácio Jaburu) era essa: saber dele (Temer) se o compromisso (pagamento de propina) ainda era necessário, e ele (Temer) me disse de pronto que sim”, relata em trecho do depoimento.
Em depoimento à Polícia Federal, Lúcio Bolonha Funaro confirmou ter recebido pagamentos de Joesley, mas afirmou que se tratavam de uma dívida antiga.
Francisco contou que, em abril de 2016, quando o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff estava adiantado e havia perspectiva de seu vice, Michel Temer, assumir o cargo, Joesley Batista, dono da JBS, o chamou e o apresentou a Geddel, que viria a ser ministro no novo governo. Entre setembro e novembro daquele ano, ele viria a ter mais alguns encontros com Geddel, na época ministro da Secretaria de Governo de Temer.
“Nos primeiros encontros, realizados em Brasília no apartamento funcional do seu irmão Deputado Lúcio Vieira Lima e o qual não conheci pessoalmente, o assunto tratado foi: Lúcio Funaro, seu estado físico, estado de sua familia e pagamentos realizados por Joesley para que ele se mantivesse em silencio. O então Ministro Geddel me perguntou se ‘Joesley estava cuidando do passarinho’. Eu perguntei sobre a estratégia de defesa e libertação de Lúcio. Ele me informou que o Ministro Eliseu Padilha havia sido destacado pelo Presidente Michel Temer, para cuidar desse assunto em favor de Lúcio”, escreveu Francisco em anexo complementar de sua delação.
Em depoimento prestado em 15 de agosto do ano passado, Francisco deu mais alguns detalhes sobre a preocupação de Geddel com o silêncio de Funaro.
— O que eu informava a Geddel é que Joesley havia me dito que os assuntos entre Joesley e Lúcio estavam sob controle. Joesley não me dava outro tipo de informação. Estava tudo certo, e tudo dentro dos conformes. O Geddel por outro fala assim: “Ó, tem que cuidar do passarinho, tem que manter a família bem cuidada”. Ele me falou que falava com a esposa do Lúcio: “Ó, eu de vez em quando falo com a esposa dele, tal, fala para o Joesley fique tranquilo que o processo a gente acredita que vai soltar ele brevemente, tem o ministro Padilha indicado para tratar desse assunto” —disse o diretor jurídico da J&F.
Houve depois novo encontro para tratar de outro assunto: uma emenda a um projeto de lei sobre caixa dois. Ele disse que, a pedido de Joesley, minutou um projeto de anistia a esse crime. “A emenda permitia o agravamento da pena de ‘caixa 2’ e, ao mesmo tempo, possibilitava a retificação de eventuais doações não registradas no TSE (chamado caixa 2). Assim, conforme pedido de Joesley, entreguei este projeto de Lei ao Ministro Geddel Vieira Lima e nunca mais soube do assunto”, disse o diretor jurídico.
Segundo Francisco, em outro encontro, Geddel pediu que ele comunicasse a Joesley a “preocupação com dois documentos então apreendidos pela Polícia Fderal na residência do ex-deputado Eduardo Cunha, quando de sua prisão: uma planilha de empréstimo na Caixa Econômica Federal e outro documento de um helicóptero”. Em novo encontro, do qual também participou Joesley, Geddel teria mostrado a planilha. Cunha está preso desde outubro de 2016.
Indagado no depoimento sobre esse episódio, ele disse que a planilha parecia ser um documento oficial da Caixa, mas que não poderia estar nas mãos de um ministro, por configurar quebra de sigilo. Quando à preocupação com o helicóptero, explicou:
— Naquele momento eu não fazia a mínima ideia. Hoje eu sei porque o helicóptero foi usado para o pagamento de propina para um dos contratos nos anexos dos documentos apresentados pelo Joesley.
Em nota, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República diz que a acusação de que tenha atuado para manter Funaro calado é “falsa” e já foi “desmentida reiteradamente”. “Essa mentira foi lançada como tentativa de validar depoimentos inverídicos de delatores que tinham como único objetivo tentar prejudicar a imagem do Presidente Temer. E o diálogo no qual se baseia a acusação falsa nunca aconteceu da forma narrada pelo jornal”, diz trecho da nota.
O advogado Daniel Gerber, que defende Padilha, negou que ele estivesse preocupado com a delação de Funaro. “Desconhecemos qualquer designação em tal sentido, e mais uma vez reforçamos que jamais houve qualquer preocupação do Ministro com a delação de Funaro – tanto o é que, em sua delação, nada fala sobre ele”, informou.Eduardo Carnelós, advogado que defende Temer em processos que também envolvem Funaro, disse que a acusação não é novidade e que a resposta dele para isso está na defesa apresentada num dos inquéritos que já investigam o presidente. Na época, Temer negou qualquer irregularidade.O GLOBO entrou em contato com a defesa de Geddel e ainda aguarda retorno.
AGÊNCIA O GLOBO
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