O afastamento tem por objetivo garantir a
instrução da ação, em razão de desvios e malversação de recursos do
Fundo de Saúde pelos agentes públicos municipais. De acordo com a ação
do MPF, as irregularidades permitiram o enriquecimento ilícito da Liga
de Assistência Social Paróquia de Marcelino Vieira (Liga), entidade
particular, de seus dirigentes e de terceiros.
As investigações levaram à descoberta de
desvios do FMS para a Liga de três formas. Havia pagamentos mensais de
autorizações de internações hospitalares (AIHs) em quantidades que não
representavam a realidade, por terem sido falsificadas. Também foi
descoberto que a remuneração de algumas empregadas da Liga, entidade
particular, era paga com recursos destinados à Estratégia Saúde da
Família. Apurou-se que integrantes da administração pública municipal,
com aval do prefeito, obrigavam as auxiliares de enfermagem ESF a
dividirem ao meio sua remuneração de R$ 1.300,00 com algumas empregadas
da Liga e, assim, ocultar a irregularidade.
Descobriu-se, ainda, que profissionais da ESF –
remunerados com recursos de origem federal – eram designados para
trabalhar por tempo superior ao permitido no Hospital Padre Agnelo
Fernandes, da Liga, em prejuízo da atenção básica em saúde. A Política
Nacional de Atenção Básica só permite a dedicação de até 8h na rede de
urgência municipal. O MPF constatou que a então secretária de saúde,
Maria Ozilene, simultaneamente administrava a Liga junto com seu marido
Raimundo Nonato de Oliveira, conduta vedada pela legislação,
viabilizando as fraudes. A petição aponta que Liga não tem sócios
conhecidos, o casal havia se apropriado dela e vinha obtendo
enriquecimento ilícito.
Após o dinheiro ingressar nos cofres da
entidade era desviado para casal e mais dois servidores que trabalhavam
na Secretaria de Saúde, um deles responsável pela transmissão das AIHs
para o Datasus, que realiza as transferências. Apurou-se que, de 2012
até a presente data, Raimundo Nonato retirou indevidamente da Liga R$
107.018,00, Maria Ozilene, R$ 73.208,09, Fabiano Pires, R$ 20.500,00 e
Francisca Samara - que foi nomeada secretária após Maria Ozilene ser
afastada -, R$ 19.500,00.
O prefeito, segundo apontou o MPF, para dar
cobertura aos desvios de recursos do FMS, celebrou um convênio com a
Liga, ao arrepio dos requisitos legais. Para o MPF, o serviço de saúde
deve ser prestado diretamente pelo ente público, de modo que a
participação privada no SUS se dá de forma complementar, conforme
previsto na própria Constituição Federal e pela Lei Federal nº 8080/90.
“Isso não foi observado pelo Município de Marcelino Vieira, uma vez que
não se firmou contrato e convênio da Liga com o SUS para oferta de
serviços em saúde, não sendo sequer, em razão da inexistência, objeto de
apreciação dos Conselhos de Saúde. Tais instrumentos são excepcionais
na execução da política de saúde”, destaca o procurador da República
Marcos de Jesus.
Além disso, apurou-se que a obrigação de as
profissionais de saúde dividirem a remuneração com empregadas da Liga
ocorreu nos dois mandatos de José Ferrari, sendo os secretários de saúde
o e coordenador de atenção básica responsáveis para transmissão e
garantia da medida. Houve caso que o próprio prefeito selecionou quem
receberia parte da remuneração. O MPF, em conjunto com o MPRN, expediu
recomendação para cessar tal obrigação, mas o prefeito José Ferrari não
respondeu.
Já o desvio de profissionais da Saúde da
Família para o Hospital da Liga, de acordo com o MPF, também só foi
possível devido à atuação da então secretária de Saúde Maria Ozilene, do
prefeito José Ferrari e do coordenador de atenção básica em saúde
Michel Alves. “A pretexto de prestar serviços de saúde de emergência e
urgência, a Liga e seus dirigentes, em consonância com os gestores
municipais, desfalcaram a Estratégia da Saúde da Família,
repassaram/receberam fraudulentamente recursos do FNS/FMS e se
locupletaram indevidamente ou contribuíram para tanto”, destaca Marcos
de Jesus.
A decisão da Justiça Federal destacou que “a
análise do conjunto probatório deixa clara diversas irregularidades
perpetradas pelo réu no cargo de prefeito do Município de Marcelino
Vieira, sendo de rigor seu afastamento do cargo para a instrução
processual”. Os envolvidos estão proibidos de ingressar nas
dependências da Secretaria Municipal de Saúde, do Hospital Maternidade
Padre Agnelo Fernandes e das unidades básicas, centro ou posto de saúde,
sob pena de multa de R$ 5 mil para cada violação. Também não poderão
manter contato com profissionais de nível médio que atuam na Estratégia
de Saúde da Família, com qualquer empregado ou prestador de serviço do
Hospital Maternidade Padre Agnelo Fernandes, bem como qualquer pessoa
que ocupe cargo do SUS.
Tiveram decretada a indisponibilidade de seus
bens móveis e imóveis, não podendo aliená-los ou transferi-los, a
qualquer título, enquanto não transitar em julgado a ação: José Ferrari
de Oliveira (R$ 2.303.628,36), Francisca Samara (R$ 78.000,00), Michel
Alves de Freitas (R$ 163.800,00), Fabiano Pires Oliveira (R$
1.946.878,36), Maria Ozilene (R$ 2.497.010,72), Raimundo Nonato de
Oliveira Filho (R$ 2.745.774,72), Maria de Fátima de Souza Góis (R$
1.864.878,36), a Liga de Assistência Social Paróquia Marcelino Vieira
(R$ 2.342.628,36), Francisco Napoleão Fernandes de Oliveira (R$
745.664,72) e Marcelo Viana da Costa (R$ 191.100,00).
A ação tramita na Justiça Federal sob o número 0800395-29.2016.4.05.8404.
MPF/RN