Registros de acesso, ou metadados, são informações que não dizem respeito ao conteúdo das mensagens, mas podem ajudar nas investigações criminais. As autoridades policiais podem usar o horário e local de acesso a um determinado sistema, bem como o endereço IP de seu usuário - espécie de "RG" digital - para ajudar a localizar um criminoso. "As empresas, no entanto, se negam a guardar os registros de acesso ou os apagam antes do fim do prazo legal, o que dificulta ou mesmo inviabiliza a responsabilização cível e criminal de autores de atos ilícitos na internet", diz a nota técnica do MP.
Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" em maio de 2016, o diretor de comunicação global do WhatsApp, Matt Steinfield, declarou que o aplicativo "não armazena esse tipo de informação nos servidores". Questionado a respeito da obrigatoriedade prevista pelo Marco Civil, Steinfield disse que "procura manter o serviço o mais simples possível e o fato de não armazenarmos essas informações nos permite oferecer um aplicativo mais rápido e confiável para todos".
Segundo o MP, as empresas usam a criptografia de dados - no WhatsApp ela é usada para codificar as mensagens desde o momento do envio até a entrega ao destinatário - para se esquivar das ordens judiciais. "A questão da criptografia virou o cerne da questão quando se debate esse tema, e ele não é o cerne para nós", diz Neide Cardoso de Oliveira, procuradora geral da República e porta-voz responsável pela nota técnica. Segundo o promotor Fabricio Patury, do MPF-BA, 90% dos casos que envolvem crimes na internet necessitam de metadados, pois envolvem questões que aconteceram no passado. "Não conseguimos começar uma investigação criminal na internet sem esse tipo de informação, e é o que está acontecendo com o WhatsApp e com o Facebook", diz ele.
Bloqueio
Para o promotor do MPF-BA, o bloqueio a um aplicativo - como já ocorreu com o WhatsApp por três vezes no País - é uma medida válida, mas apenas como última atitude. "A lei brasileira tem penas em gradação: no Marco Civil, você tem a advertência, depois uma tentativa de acordo e multas. Caso nenhuma dessas sanções seja suficiente, a empresa tem de parar de funcionar", avalia Patury.
A interpretação do Marco Civil da Internet, em questão discutida no artigo 12, é tema controverso entre juristas. Para Francisco Brito Cruz, diretor do centro de pesquisa sobre internet e direito Internet Lab, o "artigo 12 foi construído para munir as autoridades brasileiras em casos que envolvem empresas estrangeiras". "No entanto, é preciso discutir se o bloqueio é uma solução concreta ou é apenas dar murro em ponta de faca", avalia o pesquisador. Já Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, discorda: "O Marco Civil não determina a suspensão das atividades da empresa como um todo, mas só daquelas relacionadas aos dados pessoais."
Para Brito Cruz, a discussão sobre o fornecimento de metadados pelo WhatsApp passa por dois aspectos: técnico e jurídico - no último caso, o pesquisador alega que o aplicativo pode alegar que, por não ter representação legal no País, não é obrigado a fornecer os metadados de seus usuários. "Cabe da interpretação de cada juiz dizer se o Facebook, por ter sede no Brasil, pode ser responsabilizado pelas ordens judiciais", diz o diretor do Internet Lab. "De qualquer maneira, é preciso reforçar a eficiência de acordos de cooperação jurídica internacional."
Hoje, no entanto, um processo que pede a cooperação da Justiça dos Estados Unidos tende a demorar entre um e dois anos para se tornar efetivo, de acordo com a procuradora geral da República Neide Cardoso de Oliveira. "É um prazo muito demorado e que inviabiliza a discussão", alega.
Outro aspecto levantado pelos pesquisadores é a de que uma decisão de instâncias superiores - como o Supremo Tribunal Federal - pode ajudar na jurisprudência sobre o tema. "A decisão do ministro Lewandowski a encerrar o bloqueio do WhatsApp determinado na semana passada aponta na direção da proporcionalidade e do papel que a rede desempenha para o exercício da cidadania", diz Carlos Affonso. Para ele, as recentes prisões de brasileiros supostamente envolvidos em atividades terroristas mostram que existem outras formas de investigação que não envolvem a quebra de criptografia ou o bloqueio de aplicações.
Após a decisão do ministro Lewandowski, na semana passada, não há data definida para que o STF julgue o assunto. No entanto, a Universidade de Brasília e o Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM) pediram à corte que fosse realizada em breve uma audiência pública sobre bloqueios de aplicativos.
Fonte:estadao