"Escrevemos para expressar nossa profunda preocupação com
acontecimentos recentes no Brasil, que acreditamos ameaçar as
instituições democráticas daquele país." Assim começa uma carta que
circula no Congresso dos Estados Unidos contra o impeachment da
presidente Dilma Rousseff.
Endereçada ao secretário de Estado
americano, John Kerry, o documento pede que ele tenha a "máxima cautela"
nos contatos com o governo interino de Michel Temer e evite ações e
declarações de apoio ao impeachment de Dilma.
A carta é
iniciativa de três deputados do Partido Democrata e tem o apoio de mais
de 20 organizações, entre elas a poderosa central sindical AFL-CIO, que
tem mais de 12 milhões de membros. Até esta sexta (22), ela contava com a
assinatura de 37 deputados (dos 435), incluindo nomes influentes, como
John Lewis, ícone do movimento pelos direitos civis nos EUA dos anos 60.
"Nosso
governo deveria expressar forte preocupação em relação às
circunstâncias em torno do processo de impeachment e fazer um chamado à
proteção da democracia constitucional no Brasil e do Estado de direito
no Brasil", diz o texto, ressaltando que "não é um julgamento legal, mas
político", que será decidido por um Senado "eivado de corrupção".
É
a segunda iniciativa recente contra o impeachment na Câmara dos
Deputados dos EUA. No dia 13 deste mês, o deputado democrata Alan
Greyson havia feito um discurso em tom parecido no plenário, em que
chamou o governo de Temer de antidemocrático por adotar medidas que não
foram aprovadas nas urnas. A carta, no entanto, vai além, ao questionar
diretamente o impeachment.
Em um dos trechos, o documento lembra
as gravações divulgadas pela Folha em maio, nas quais o ex-ministro do
Planejamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), sugeria ao ex-presidente da
Transpetro Sérgio Machado que uma "mudança" no governo permitiria
"estancar a sangria" representada pela Operação Lava Jato, que investiga
ambos."O senhor Jucá foi demitido depois que o maior jornal do Brasil,
Folha de Sao Paulo (sic), revelou uma conversa gravada dele tramando o
impeachment da presidente Dilma Rousseff para instalar Temer em seu
lugar como forma de parar uma enorme investigação de corrupção", lembra.
"Para
piorar, muitos dos políticos que apoiam o processo de impeachment são
acusados de crimes graves, como corrupção, desvios e até tentativa de
homicídio. Isso inclui o senhor Temer, que foi considerado culpado de
violações no financiamento de campanha e está vetado de se candidatar a
qualquer cargo político".O documento foi redigido num formato conhecido
no Congresso como "Caros colegas", em que uma correspondência oficial é
enviada a todos os membros da Câmara para defender uma posição ou um
projeto de lei.
Segundo o escritório do deputado John Conyers
Jr., um dos líderes da iniciativa, o número de signatários é considerado
"extremamente bom", sobretudo diante do fato de o Congresso estar em
recesso. Acrescentou que há muito tempo não havia uma carta semelhante
sobre o Brasil na Câmara dos Deputados americana.
Os argumentos
do impeachment, afirma o abaixo-assinado, não são baseados em acusações
de corrupção e Dilma jamais foi "formalmente indiciada" por esse crime.
Acresenta que as pedaladas fiscais que serviram de base para o
impeachment, são "uma prática amplamente usada em todos os níveis do
governo brasileiro, incluindo seus dois antecessores".
Os
signatários também são críticos em relação ao comportamento do governo
do presidente Barack Obama, que "em vez de mostrar preocupação com esses
acontecimentos perturbadores", enviou sinais que "poderiam ser
interpretados como de apoio à campanha do impeachment".
Como
exemplo, lembram o encontro do senador Aloyisio Nunes (PSDB-SP) em
Washington com o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, Thomas
Shannon, dois dias após a aprovação do impeachment na Câmara dos
Deputados.
Embora a Casa Branca tenha afirmado que não havia
planos de o presidente Obama telefonar para Temer após sua posse como
interino, o Departamento de Estado, chefiado por John Kerry, expressou
confiança nas instituições brasileiras. Além disso, embaixador americano
na OEA (Organização dos Estados Americanos) afirmou que o país não vê o
impeachment como golpe.
"Estamos consternados em observar que
até agora o Departamento de Estado limitou-se a expressar confiança no
processo democrático no Brasil, sem notar algumas das óbvias
preocupações em relação ao processo de impeachment e as ações tomadas
pelo governo interino", afirma.
Fonte:estadao
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