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domingo, 18 de outubro de 2015
Sem transposição, especialistas temem crise hídrica no Nordeste
A vida de boa parte dos moradores do semiárido do Nordeste segue o fluxo do São Francisco. Ameaçada pela pior estiagem que atingiu o Rio em 73 anos, a população nordestina teme pelo futuro a partir do próximo ano. Isso porque o projeto de transposição, a maior obra do governo federal dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos, só deve ser finalizada no fim de 2016 ou no início de 2017.
Segundo o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, atualmente, com a seca vivenciada em toda a sua bacia hidrográfica, o Velho Chico já não dispõe mais dos volumes necessários à geração de energia demandada pela região, bem como a irrigação está sendo prejudicada pela falta d´água. O especialista, que é referência em questões de hidrologia do semiárido, explica que os sintomas da escassez já são sentidos no Lago de Sobradinho, no norte da Bahia, que apresenta a capacidade em torno dos 5%.
Por conta desta situação, ele explica que a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) foi obrigada a lançar da represa cerca de 900 m³/s enquanto o Ibama exige, na foz, 1.300 m³/s, o chamado volume ecológico.
"Ainda vai haver um desastre sem precedentes de colapso hídrico na bacia do Rio São Francisco, isso sem que a obra da transposição esteja em fase de operação. Atualmente, falta água para irrigar (os irrigantes em Juazeiro e Petrolina estão apavorados) e para gerar energia. Querer retirar a água do Rio para abastecer 12 milhões de pessoas no Setentrional, que está sedento, é fisicamente impossível. O Rio não teria volumes para tudo isso. O pior é que, com a obra pronta, irão retirar assim mesmo, pondo em risco todos os investimentos realizados pela bacia do Rio", avaliou o engenheiro agrônomo.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, explica que, como o Lago de Sobradinho está apresentando apenas 9% do volume útil para geração de energia, já há a necessidade de se executar obras complementares para garantir a captação de água. "Isso obriga que essas captações sejam estendidas até alcançar os níveis das águas, o chamado volume morto", informou.
Em audiência na última quinta na Comissão Mista de Mudanças Climáticas (CMMC), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Paranaíba (Codevasf), disse que a medida emergencial para se evitar o colapso do Vale do São Francisco é a instalação de bombas e flutuantes para a captação de água no volume morto de Sobradinho. Tais obras foram orçadas em R$ 38,3 milhões e iniciadas no final de setembro.
Captação
De acordo com Miranda, com o volume que apresenta hoje, só seria possível captar nos canais de transposição a vazão mínima do Rio, que é de 26 m³/s, enquanto o valor máximo é de 127 m³/s. Com esse volume, conforme ele, só seria possível garantir basicamente o consumo humano nos quatro estados beneficiados pela transposição: Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
"O cenário é dramático na Bacia do Rio São Francisco. O clima pode melhorar, mas o que o futuro indica é uma tendência preocupante. No contexto de mudanças climáticas, há muita insegurança", afirmou o presidente do CBHBF.
Miranda também observa que a diminuição da vazão pode aumentar o risco à saúde pública, pois quanto menor o volume do Rio, mais comprometida fica a qualidade da água. Por conta disso, ele defende um grande movimento dos estados beneficiados pela transposição em defesa da revitalização do Rio São Francisco.
Ex-ministro da Integração, o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) diz que o Rio São Francisco enfrenta um quadro de muita dramaticidade, apresentando uma queda nos reservatórios de estados como Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia, o que, consequentemente, gera uma dificuldade para garantir o abastecimento. Porém, ele considera que, caso as obras da transposição tivessem sido finalizadas agora, mesmo com a estiagem, haveria água suficiente para o abastecimento humano.
Castanhão
Fernando Bezerra, por outro lado, alerta que a conclusão do projeto, visto por ele como a mais importante obra de segurança hídrica para períodos de seca prolongada, seria essencial para Fortaleza "porque o Castanhão está quase seco". Maior reservatório do Ceará e o principal responsável pelo abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o açude também é responsável por manter a produção no perímetro irrigado Jaguaribe Apodi, no Vale do Jaguaribe.
De acordo com dados da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado (Cogerh) referentes ao início deste mês, o reservatório está apenas com cerca de 14% de sua capacidade. Há quatro anos, o açude atingiu, no mesmo período, 78% do potencial de armazenamento.
"A obra precisa ficar pronta para encher o Castanhão", disse o senador pernambucano, explicando que, mesmo sendo castigado pela estiagem, o atual volume do São Francisco poderia garantir o consumo da Região Metropolitana de Fortaleza e mais outras três regiões.
Resposta do Ministério
Em nota enviada ao Diário do Nordeste, o Ministério da Integração Nacional informou, que, "mesmo com o período de estiagem a viabilidade técnica para o funcionamento do Projeto de Integração do Rio São Francisco está garantida". "É importante esclarecer que o projeto não prejudicará o Rio São Francisco. As ferramentas de simulação hidrológica utilizadas pela Agência Nacional das Águas (ANA) mostram que o projeto pode captar 26,4 m³, mesmo em períodos muito secos. Isso representa 1,4% da vazão média do Rio, ou seja, duas colheres de sopa para cada litro d´água despejado no mar. Na cheia, a captação pode chegar a 127m³/s, sem prejudicar o Rio".
Iniciado em 2007, o projeto de Transposição do Rio São Francisco tinha previsão inicial para ser finalizada em 2012, mas segundo informou o ministro da Integração, Gilberto Occhi, em agosto, as obras só devem ser concluídas no fim do próximo ano ou no início de 2017. Este ano, de acordo com o ministro, a execução do projeto está avançando 1,2% por mês.
"Nossa expectativa é que, mantido esse ritmo, a obra da estação possa terminar em dezembro de 2016 ou no início de 2017", disse o ministro.
Ainda segundo Occhi, as mudanças no cronograma se devem à troca de empresas que foram deixando a obra ao longo dos anos de execução.
Por causa da lentidão em alguns trechos, canais que já ficaram prontos ainda não recebem água. A falta de uso tem provocado o aparecimento de rachaduras em algumas estruturas.
Site Miséria
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