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domingo, 20 de dezembro de 2015

RN tem mais foragidos que presos no sistema carcerário

Existem mais mandados de prisão em aberto no Rio Grande do Norte que pessoas detidas no sistema penitenciário do Estado, atualmente. A população carcerária potiguar, de acordo com estimativa da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), gira em torno dos 8 mil presos. Enquanto isso, o Banco Nacional de Mandados de Prisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontava, até a manhã de ontem, a existência de 10.029 foragidos que ainda não haviam sido capturados pela polícia.
 
Mesmo já sendo um número bastante expressivo, esse montante pode ser ainda maior. Pelo menos é que indica o delegado Luiz Lucena (foto), titular da Delegacia Especializada em Capturas e Polinter (Decap), que acredita haver, no mínimo, 12 mil mandados de prisão para serem cumpridos hoje no estado. A quantidade não pode ser precisada, uma vez que boa parte dos processos da delegacia é feita de forma mecânica, sem um sistema automatizado que facilite o cálculo.
 
Segundo o delegado, a grande maioria dos mandados diz respeito a detentos que progrediram do regime penal fechado para o regime semiaberto, no qual o acusado necessita comparecer ao local da prisão apenas para dormir à noite. Como afirma Luiz Lucena, muitos que se encontram nessa situação cumprem o que é determinado somente por um mês ou 45 dias antes de “sumirem de vez”.
 
“Existe uma renovação muito grande desse número porque a gente prende, o detento deixa de cumprir as regras e já é determinada a prisão dele novamente. Em torno de 80% desses mandados ficam em torno desse vai-e-vem de mudança de regime”, explica o titular da Decap.
 
Para ele, cerca de 9 mil dos 12 mil mandados em aberto são de presos que possuem esse direito, conquistado, normalmente, após cumprir um sexto da pena e apresentar bom comportamento durante o período na cadeia. Entretanto, de acordo com o delegado, muitos sequer chegam a ficar atrás das grades, já que progridem automaticamente para o regime semiaberto, o que aumentaria a sensação de impunidade.
 
“A regra hoje não é mais a prisão. A regra é o alvará de soltura. Eu conheço um cidadão que foi condenado a oito anos, por matar outro, mas que não ficou um só dia preso. Ele foi direto para o regime semiaberto, indo no presídio somente pra dormir”, relata.
 
Além do não cumprimento das regras do regime semiaberto, outra dificuldade que os policiais enfrentam para recapturar esses foragidos é que a grande maioria deles apresenta endereços falsos na justiça, no momento em que são postos no sistema de liberdade condicionada. A fraude apenas é descoberta quando o preso deixa de comparecer no local determinado e a polícia não o encontra no endereço em que supostamente o acusado deveria residir.
 
“Pelo menos 90% dos que cumprem o regime fornecem para a justiça endereços que não correspondem com a realidade. Seja por terem se mudado ou por nunca terem morado naquela área”, estima o delegado Luiz Lucena.
 
Ele também reclama de falta de estrutura e efetivo para poder cumprir os mandados que estão atualmente em aberto. De acordo com o titular da Decap, as polícias Civil e Militar conseguem realizar, todos os meses, uma média de 70 prisões. Número que corresponde a somente 0,5% do total de foragidos no estado. 
 
“Não existe hoje, no Rio Grande do Norte nem no Brasil, um efetivo ideal para cada delegacia. Tem que trabalhar sempre com um quadro de pessoal reduzido para cada serviço”, queixa-se.
 
O trabalho de investigação também é deficitário, uma vez que não há policiais suficientes ou que estejam preparados para realizar ações dessa natureza. Mesmo após a convocação, em março deste ano, de 192 aprovados no concurso público realizado em 2008 (31 escrivães, 104 agentes e 57 delegados), a quantidade de efetivo ainda seria ínfima para comportar a demanda existente.
 
“O ideal seria se a gente tivesse, em cada delegacia, um departamento de inteligência com vários policiais. Só que, hoje em dia, o governo não tem como fazer isso por não poder ultrapassar o limite de responsabilidade fiscal”, lamenta o delegado de capturas.
 
 
Não existem vagas suficientes para a demanda de presos
Mesmo se os policiais tivessem condições de efetuar todos os 12 mil mandados de prisão em aberto no Rio Grande do Norte hoje, ainda restaria outro problema sem solução: onde colocar tantos detentos?
 
Atualmente, o estado conta com 32 unidades prisionais, entre Centros de Detenção Provisória (CDPs), cadeias públicas, complexos penais e penitenciárias estaduais. Juntas, elas possuem capacidade para aproximadamente 4,5 mil pessoas, mas atualmente operam com quase o dobro do limite de vagas. A superlotação, inclusive, fez com que a justiça determinasse a interdição parcial de 12 destas unidades, que estão proibidas de receberem novos presos sem uma autorização judicial prévia.
 
A construção de uma cadeia pública no município de Ceará-Mirim, retomada no último mês de junho, prevê o acréscimo de mais 603 vagas. Mesmo assim, a ampliação ainda seria insuficiente para dar fôlego ao já congestionado sistema penitenciário potiguar e, muito menos, serviria para abrigar novos detentos.
 
De acordo com o delegado da Decap, Luiz Lucena, a segurança pública não é tratada como prioridade pelos governantes e, por isso, as cadeias públicas encontram-se na situação atual de superlotação. Segundo ele, é preciso tratar o assunto como prioridade nas próximas gestões para que o caos observado hoje não se prolongue ou torne-se ainda mais grave.
 
“É uma questão de prioridades. Não teve dinheiro para se construir um estádio como a Arena das Dunas? No lugar, com o que foi empregado ali, daria para ser feito um presídio para até 13 mil pessoas”, estima o delegado.
 
Além da falta de vagas, outra dificuldade que aflige os agentes de segurança pública do Estado também são as recentes revoltas de detentos dentro das penitenciárias que resultaram em unidades depredadas e sem condições de uso.
 
“Depois que começou essas facções nos presídios, os bandidos estão acabando com as cadeias, então o dinheiro que tínhamos para construir e aumentar a quantidade de vagas, estamos gastando com reformas desses que eles estão quebrando”, declara Luiz Lucena.
 
De acordo com a Secretaria do Estado de Justiça e Cidadania (Sejuc), mais de R$ 7 milhões foram investidos na recuperação dos 14 presídios atingidos pela onda de motins e rebeliões, registrados desde o início do ano.
 
Após as revoltas, o Governo do Estado decretou condição de calamidade pública, publicada em 17 de março e renovada no último mês de setembro, com validade prevista até março do ano que vem.
 
“Eu acho que todos deviam ser autuados em flagrante por dano ao patrimônio público e que, se fossem reincidentes, teria suas penas aumentadas”, sugere o delegado da Decap.
A reportagem procurou a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) para que se pronunciasse sobre o assunto, porém até o fechamento desta edição o titular da pasta não foi localizado. 

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