Existem mais mandados de prisão em aberto no Rio Grande do Norte
que pessoas detidas no sistema penitenciário do Estado, atualmente. A
população carcerária potiguar, de acordo com estimativa da Secretaria de
Justiça e Cidadania (Sejuc), gira em torno dos 8 mil presos. Enquanto
isso, o Banco Nacional de Mandados de Prisão do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) apontava, até a manhã de ontem, a existência de 10.029
foragidos que ainda não haviam sido capturados pela polícia.
Mesmo
já sendo um número bastante expressivo, esse montante pode ser ainda
maior. Pelo menos é que indica o delegado Luiz Lucena (foto), titular da
Delegacia Especializada em Capturas e Polinter (Decap), que acredita
haver, no mínimo, 12 mil mandados de prisão para serem cumpridos hoje no
estado. A quantidade não pode ser precisada, uma vez que boa parte dos
processos da delegacia é feita de forma mecânica, sem um sistema
automatizado que facilite o cálculo.
Segundo o
delegado, a grande maioria dos mandados diz respeito a detentos que
progrediram do regime penal fechado para o regime semiaberto, no qual o
acusado necessita comparecer ao local da prisão apenas para dormir à
noite. Como afirma Luiz Lucena, muitos que se encontram nessa situação
cumprem o que é determinado somente por um mês ou 45 dias antes de
“sumirem de vez”.
“Existe uma renovação muito
grande desse número porque a gente prende, o detento deixa de cumprir as
regras e já é determinada a prisão dele novamente. Em torno de 80%
desses mandados ficam em torno desse vai-e-vem de mudança de regime”,
explica o titular da Decap.
Para ele, cerca de 9
mil dos 12 mil mandados em aberto são de presos que possuem esse
direito, conquistado, normalmente, após cumprir um sexto da pena e
apresentar bom comportamento durante o período na cadeia. Entretanto, de
acordo com o delegado, muitos sequer chegam a ficar atrás das grades,
já que progridem automaticamente para o regime semiaberto, o que
aumentaria a sensação de impunidade.
“A regra hoje
não é mais a prisão. A regra é o alvará de soltura. Eu conheço um
cidadão que foi condenado a oito anos, por matar outro, mas que não
ficou um só dia preso. Ele foi direto para o regime semiaberto, indo no
presídio somente pra dormir”, relata.
Além do não
cumprimento das regras do regime semiaberto, outra dificuldade que os
policiais enfrentam para recapturar esses foragidos é que a grande
maioria deles apresenta endereços falsos na justiça, no momento em que
são postos no sistema de liberdade condicionada. A fraude apenas é
descoberta quando o preso deixa de comparecer no local determinado e a
polícia não o encontra no endereço em que supostamente o acusado deveria
residir.
“Pelo menos 90% dos que cumprem o regime
fornecem para a justiça endereços que não correspondem com a realidade.
Seja por terem se mudado ou por nunca terem morado naquela área”,
estima o delegado Luiz Lucena.
Ele também reclama
de falta de estrutura e efetivo para poder cumprir os mandados que estão
atualmente em aberto. De acordo com o titular da Decap, as polícias
Civil e Militar conseguem realizar, todos os meses, uma média de 70
prisões. Número que corresponde a somente 0,5% do total de foragidos no
estado.
“Não existe hoje, no Rio Grande do Norte
nem no Brasil, um efetivo ideal para cada delegacia. Tem que trabalhar
sempre com um quadro de pessoal reduzido para cada serviço”, queixa-se.
O
trabalho de investigação também é deficitário, uma vez que não há
policiais suficientes ou que estejam preparados para realizar ações
dessa natureza. Mesmo após a convocação, em março deste ano, de 192
aprovados no concurso público realizado em 2008 (31 escrivães, 104
agentes e 57 delegados), a quantidade de efetivo ainda seria ínfima para
comportar a demanda existente.
“O ideal seria se a
gente tivesse, em cada delegacia, um departamento de inteligência com
vários policiais. Só que, hoje em dia, o governo não tem como fazer isso
por não poder ultrapassar o limite de responsabilidade fiscal”, lamenta
o delegado de capturas.
Não existem vagas suficientes para a demanda de presos
Mesmo
se os policiais tivessem condições de efetuar todos os 12 mil mandados
de prisão em aberto no Rio Grande do Norte hoje, ainda restaria outro
problema sem solução: onde colocar tantos detentos?
Atualmente,
o estado conta com 32 unidades prisionais, entre Centros de Detenção
Provisória (CDPs), cadeias públicas, complexos penais e penitenciárias
estaduais. Juntas, elas possuem capacidade para aproximadamente 4,5 mil
pessoas, mas atualmente operam com quase o dobro do limite de vagas. A
superlotação, inclusive, fez com que a justiça determinasse a interdição
parcial de 12 destas unidades, que estão proibidas de receberem novos
presos sem uma autorização judicial prévia.
A
construção de uma cadeia pública no município de Ceará-Mirim, retomada
no último mês de junho, prevê o acréscimo de mais 603 vagas. Mesmo
assim, a ampliação ainda seria insuficiente para dar fôlego ao já
congestionado sistema penitenciário potiguar e, muito menos, serviria
para abrigar novos detentos.
De acordo com o
delegado da Decap, Luiz Lucena, a segurança pública não é tratada como
prioridade pelos governantes e, por isso, as cadeias públicas
encontram-se na situação atual de superlotação. Segundo ele, é preciso
tratar o assunto como prioridade nas próximas gestões para que o caos
observado hoje não se prolongue ou torne-se ainda mais grave.
“É
uma questão de prioridades. Não teve dinheiro para se construir um
estádio como a Arena das Dunas? No lugar, com o que foi empregado ali,
daria para ser feito um presídio para até 13 mil pessoas”, estima o
delegado.
Além da falta de vagas, outra
dificuldade que aflige os agentes de segurança pública do Estado também
são as recentes revoltas de detentos dentro das penitenciárias que
resultaram em unidades depredadas e sem condições de uso.
“Depois
que começou essas facções nos presídios, os bandidos estão acabando com
as cadeias, então o dinheiro que tínhamos para construir e aumentar a
quantidade de vagas, estamos gastando com reformas desses que eles estão
quebrando”, declara Luiz Lucena.
De acordo com a
Secretaria do Estado de Justiça e Cidadania (Sejuc), mais de R$ 7
milhões foram investidos na recuperação dos 14 presídios atingidos pela
onda de motins e rebeliões, registrados desde o início do ano.
Após
as revoltas, o Governo do Estado decretou condição de calamidade
pública, publicada em 17 de março e renovada no último mês de setembro,
com validade prevista até março do ano que vem.
“Eu
acho que todos deviam ser autuados em flagrante por dano ao patrimônio
público e que, se fossem reincidentes, teria suas penas aumentadas”,
sugere o delegado da Decap.
A reportagem procurou a Secretaria
Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) para que se pronunciasse sobre o
assunto, porém até o fechamento desta edição o titular da pasta não foi
localizado. Novo Jornal