Na moda e amplamente incentivado entre os praticantes de atividades físicas nas academias, o consumo exagerado de suplementos alimentares e vitaminas está levando aos consultórios mais pacientes com alterações na função renal, devido ao uso desses produtos sem acompanhamento e, muitas vezes, até como substitutos de refeições.
Casos de insuficiência e
calcificação renal, intoxicação e hipervitaminose ficam cada vez mais
comuns nos consultórios com a explosão desse culto ao “lifestyle
fitness” e com a lentidão na fiscalização dos produtos que são
comercializados. A presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia
(SBN), Carmen Tzanno, diz que chega a receber até dois pacientes por
semana relatando problemas que, quando investigados, levam à constatação
de que foram causados por suplementos.
“Muitos pacientes são
jovens e até adolescentes”, afirma ela. “Esse movimento é percebido há
pelo menos três anos”, completa, ao explicar que a suplementação é
recomendada apenas para atletas de alto rendimento ou para sanar
deficiências geradas por patologias.
A preocupação é
crescente, e o consumo inadequado é apontado como uma das causas da
disfunção renal, discutida em congressos da área. O nutrólogo e também
nefrologista Alexandre Dias Pinto Coelho alerta que, em conversas
informais em um desses eventos, foi levantada a suspeita de um possível
surto na hemodiálise. “Pelo andar da carruagem, é possível que, dentro
de dez ou 15 anos, comece a aparecer gente com doença renal terminal
secundária ao uso abusivo de proteínas, sejam elas de suplementos ou
não”, critica.
Um dos principais riscos,
segundo Coelho, é a dieta dos atletas que buscam hipertrofia
(crescimento dos músculos), baseada principalmente em alimentos e
suplementos ricos em proteínas, que, em excesso, podem acelerar
nefropatias (lesões ou doença do rim) silenciosas. Carmen também
ressalta os riscos das dietas da moda, como a Dukan, que, se aliada aos
suplementos proteicos (como o Whey Protein, por exemplo), acaba levando à
formação de pedras nos rins.
A nefrologista também
cita o caso de um paciente que, após o uso de doses elevadas de vitamina
D, chegou ao quadro de intoxicação, hipervitaminose e calcificação
renal. “Quando você retira o consumo e faz a orientação adequada, em
geral, a função é recuperada. O grande problema é que as pessoas, mesmo
orientadas, têm uma ambição estética tão grande que qualquer outro
problema de saúde acaba sendo deixado de lado”.
A psicóloga Marcelle
Bitarães, 24, conta que sempre desconfiou dos benefícios dos
suplementos, mas há oito meses ela adquiriu uma rotina mais rigorosa de
atividade física e passou a sentir a necessidade de contar com a “ajuda”
de produtos indicados por sua nutricionista esportiva. “Sempre tive o
pé atrás e, sem acompanhamento, acho perigoso tomar. Consegui eliminar
10 kg e 13% de gordura. Sem os suplementos acho que conseguiria o mesmo
resultado, mas demoraria mais”.
Expansão.
No Brasil, estima-se que 2% da população – cerca de 4 milhões de
pessoas – consuma suplementos, segundo a Associação Brasileira de
Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri). Dentro do mercado de
nutrição esportiva, os produtos à base de proteína aparecem como
campeões de venda (65%), e os jovens entre 15 e 30 anos representam 80%
dos consumidores.
“Os números podem
aumentar de maneira exponencial nos próximos anos. Sendo assim, esse
mercado deve ser regulado, e a população deve procurar orientação
profissional. Essas medidas são preventivas e visam à preservação da
função renal, boa qualidade de vida e um estilo de vida saudável”, diz
Carmen.
Fiscalização
Alerta. Somente
em 2014 e 2015, a Anvisa proibiu a distribuição e a comercialização de
21 marcas de suplementos proteicos para atletas e outras 14 marcas de
suplementos alimentares.
Só produtos alterados são suspensos
Regulamentação: Em
2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou um
regulamento técnico com diretrizes específicas aos alimentos para
atletas.
Venda: Por
telefone, a assessoria de imprensa da agência disse que os produtos
podem ser vendidos em farmácias e lojas de produtos naturais. “A
comercialização só é suspensa quando os produtos apresentam algum
problema”.
*Fonte: O Tempo