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sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Filha de João de Deus diz que foi abusada dos 10 aos 14 anos de idade

Dalva Teixeira, de 49 anos, filha de João Teixeira de Farias — médium conhecido como João de Deus —, afirmou em entrevista à revista "Veja" que foi abusada pelo pai pela primeira vez aos 10 anos. No relato, que será publicado na edição desta semana da revista, Dalva conta que, na ocasião, o pai a mandou ficar nua e passou o pênis por todo seu corpo. Os abusos aconteceram até seus 14 anos, quando ficou grávida de um funcionário de João e foi espancada pelo médium, a quem chama de "monstro", por conta disso.

Os primeiros relatos de que João de Deus teria abusado sexualmente de fiéis foram revelados pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, no último sábado. Desde então, mais de 300 mulheres denunciaram o médium ao Ministério Público. Ele nega as acusações. 

— Ele me levou para o quarto dele, tirou minha roupa toda e eu achei aquilo estranho. Aí eu perguntei: o que você está fazendo? E ele disse: o pai vai fazer um trabalho espiritual com você com Dom Inácio de Loyola, aí ele pegou, ficou pelado, se despiu todo e começou a passar o pênis dele no meu corpo todo. Aí ele pegou e foi. Aí eu falei: "ai, está me machucando", e ele em cima de mim. E eu: "está me sufocando". Aí eu peguei e saí correndo — relatou Dalva. 

De acordo com ela, na ocasião, João de Deus estava brigado há três dias com a mulher — madrasta de Dalva — e chegou da fazenda com uma vela. Então pediu que a filha marcasse a vela com a unha e disse: "o pai vai ter que ficar com você até que o fogo chegue nessa marca, porque eu vou fazer um trabalho espiritual com você". A então mulher de João de Deus estava na casa quando o abuso aconteceu. 

A filha do médium revelou que os abusos aconteciam em casa, no carro, nos passeios que faziam em família e em quartos da residência de amigos. 

Dalva também contou à revista que passou a viver com João de Deus somente aos 9 anos de idade. Até então, morava apenas com a mãe e sequer conhecia o pai. 

— A gente era criada na roça, de família humilde. Aí chegou aquele homem, poderoso. “Eu olhei e disse: ‘Não, esse homem não é meu pai”. Mas era. Minha mãe pediu que ele me levasse para a cidade, para eu estudar. Ele me trouxe para Anápolis, para morar com ele. Começou aí todo o inferno da minha vida — afirmou ela. 

Segundo Dalva, os abusos duraram até seus 14 anos, quando ela engravidou de um homem que trabalhava para o pai e foi espancada por ele: 

— Meu pai descobriu que eu estava grávida, me bateu muito, com vara de ferrão, com aquele negócio de laçar boi que tem uma bola de cimento na ponta. Aí falou que eu não ia casar. Me bateu muito, eu fui para o hospital muito machucada, fora de si — relatou Dalva a "Veja" — Aí eu saí do hospital e fui para casa da minha tia acompanhada de enfermeira, porque eu estava sangrando pela vagina, porque estava grávida. Ele pisou muito na minha barriga. Ele falava: "eu vou te matar, eu vou te matar, você está grávida". 

Com fala simples, cometendo por vezes erros de português, mas com relatos precisos, Dalva contou que essa relação de abuso e violência a marcaram para o resto de sua vida: 

— Descontei tudo na bebida, na droga. Entrei nessa por desespero, mágoa, sofrimento, porque o pai que conheci com quase 10 anos não foi um pai. Foi minha destruição. 

Em 2016, Dalva doí internada em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. No ano seguinte, os filhos dela, Paulo e João Paulo — os dois já maiores de idade —, entraram com um processo judicial contra João de Deus. Eles pediam uma indenização por danos morais sofridos pela mãe. Foi aí que falaram pela primeira vez dos abusos cometidos pelo avô. No entanto, Dalva relata que foi procurada por João de Deus na clínica onde estava e o médium teria dito que, por causa da ação na Justiça, a vida dos netos estaria em risco. Ela entendeu isso como uma ameaça e concordou em parar o processo. 

Dalva disse que relutou em denunciar João de Deus por medo de prejudicar os filhos, que até hoje são sustentados pelo avô. Ela também afirmou que muitos advogados que procurou se recusaram a pegar a causa por receio de enfrentar o médium. 

Ela confia nos muitos relatos de outras mulheres que surgiram até agora: 

— Nenhuma dessas mulheres mentiu. Eu sei que elas estão dizendo a verdade. E isso eu senti na pele. Eu sofri. Ele dizia que não existia Deus, que Deus era ele. Ele dizia: "Eu sou Deus". 

Na última quarta-feira, dia 12, cinco dias depois que as primeiras denúncias de outras mulheres vieram a público, Dalva relatou formalmente suas acusações ao Ministério Público, como parte de um processo que corre há quatro meses em segredo de Justiça. 

O MP já soma mais de 300 denúncias recebidas contra João de Deus — entre elas, a de Dalva. Se confirmadas, as acusações devem levar o médium a uma pena expressivamente maior do que a do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão sob a acusação de ter estuprado 39 mulheres. Desde outubro de 2017, o médico cumpre pena atualmente em prisão domiciliar.

O Globo

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