Vinte quatro horas após a derrota no plenário da Câmara dos Deputados da
emenda que reduz a maioridade penal, uma manobra regimental do
presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apoiada por grupo de
líderes partidários, garantiu a aprovação da punição de jovens maiores
de 16 anos. Por 323 votos contra 155 e duas abstenções, o plenário da
Câmara aprovou na madrugada desta quinta-feira proposta de emenda
constitucional (PEC) que permite a responsabilização criminal de jovens
de 16 e 17 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso (quando
se assume o risco de matar) e lesão corporal seguida de morte. Para
mudar a Constituição, são necessários 308 votos favoráveis. Na nova
votação foram 20 votos a mais do que na noite anterior, quando a PEC
recebera apenas 303 votos favoráveis. A proposta ainda precisa ser
votada em segundo turno pelo plenário da Câmara e, caso aprovada, segue
para o Senado.
A manobra regimental de Cunha provocou uma troca
de acusações com o governo e deputados contrários à proposta. Cunha foi
acusado de burlar as normas da Câmara e insistir na votação por não
aceitar a derrota. Discutiu-se até um recurso ao Supremo Tribunal
Federal (STF).Num dos momentos mais tensos, o deputado Alessandro Molon
(PT-RJ), contrário à redução da maioridade, irritou-se quando o
presidente da Câmara ficou de costas para ele.
— Vossa Excelência
pode decidir não ouvir, pode decidir virar de costas para mim. Pode
decidir conversar com qualquer colega parlamentar que preste a esse
papel. Mas o problema é que Vossa Excelência passa por cima da
democracia, passa por cima da Constituição, passa por cima do regimento
desta Casa até que vença posição de Vossa Excelência — afirmou
Molon.Apesar das críticas dos contrários à redução, a Secretaria Geral
da Mesa Diretora da Câmara respaldou a ação de Cunha, avaliando que ela é
permitida pelo regimento.
Mais cedo, o Plenário da Câmara dos
Deputados rejeitou, por 299 votos a 156, requerimento de retirada de
pauta da PEC da maioridade penal (PEC 171/93). Antes, os deputados
aprovaram a preferência para a votação de emenda dos deputados Rogério
Rosso (PSD-DF) e Andre Moura (PSC-SE), que reduz a maioridade penal de
18 para 16 anos para crimes hediondos, mas exclui a possibilidade de
prisão por roubo qualificado, tortura, tráfico de drogas e lesão
corporal grave.
O texto é produto de uma emenda aglutinativa –
produzido a partir de trechos de propostas de emenda à Constituição
apensadas ao texto que foi ao plenário e foi articulado pela manhã em
reunião do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com os líderes
do PMDB, Leonardo Picciani (RJ) e do DEM, Mendonça Filho (PE).
—
Não vamos aceitar. Iremos não só denunciar, mas, se preciso for,
recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) — disse Weverton Rocha
(PDT-MA), integrante desse grupo, antes da votação da emenda.
Os
líderes do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), e do DEM, Mendonça Filho (PE),
defenderam a votação da emenda de Rosso, afirmando que o regimento está
sendo seguido. Segundo Mendonça Filho, não interessa à oposição, que é
minoritária, desrespeitar o regimento, uma vez que ele é usado como
proteção contra abusos da maioria.
— Não é uma inovação
regimental. É algo absolutamente seguro. Posso dizer com toda a
segurança que esse caminho do ponto de vista regimental é tranquilo.
Podemos votar qualquer uma das PECs (propostas de emenda constitucional
que tramitaram em conjunto na Câmara) que não foram analisadas e podemos
aglutinar matérias como a emenda de Rogério Rosso, que exclui tráfico
de drogas e roubo qualificado - disse Mendonça Filho.
Os
favoráveis a proposta acreditam que poderão convencer deputados de suas
bancadas que ontem votaram contra a mudar de posição. A expectativa dos
líderes é ganhar o apoio de deputados em todos os partidos e, aprovar
assim o novo texto. No caso do PMDB, Picciani conta com a presença de
três deputados que estavam ausentes ontem e em virar o voto de um dos
que se absteve.
— Ontem cinco deputados estavam ausentes. Três deles estarão hoje em Brasília e são a favor da redução — disse Picciani.
—
Acho que com essa mudança no texto temos chance de aprovar. A outra
emenda foi rejeitada com uma margem muito pequena. Teve muita gente que
não votou porque tráfico de drogas estava incluído — acrescentou
Mendonça Filho.
O líder do PMDB disse que as críticas dos que os
acusam de usar a mesma tática do financiamento privado de campanhas -
depois de perder em plenário, apresentam novo texto e aprovam - não
procede:
— Regimentalmente existem 36 emendas apensadas á PEC da
maioridade. Qualquer uma delas pode ser votada e podemos fazer uma
aglutinativa. Só arquiva se nenhuma for aprovada e se enfrentarmos a
votação da PEC 171, que é a redução plena e com a qual não concordo —
disse Picciani.
GOVERNO É CONTRA
O líder
do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), classificou como "forçação
(sic) de barra" querer votar outro texto de redução da maioridade penal
no plenário, após a derrota de ontem. Para ele, o melhor é trabalhar um
acordo para iniciar o debate sobre alterações no Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA).
— Querer votar de novo o que foi derrotado
ontem é forçação de barra. Temos que trabalhar um acordo para
imediatamente, iniciarmos o debate para uma reforma do ECA. Esse é o
caminho que temos que ter — defendeu Guimarães, acrescentando:
—
Aqui você tem que ter sensibilidade para o momento. Tem hora que você
recua, tem hora que você é derrotado, tem hora que você é vitorioso.
Isso é próprio do parlamento. Não tem que ter esse jogo do 0 a 0, do
mata-mata.
Fonte: O Globo
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