Era
noite da quarta-feira passada (30) quando o guia de turismo Flávio Júlio do
Nascimento, de 39 anos, saiu a pé para comprar gasolina para o carro, que havia
ficado desabastecido, na praia de Pirangi, em Parnamirim, região Metropolitana
de Natal. No caminho, ele foi abordado por policiais, que encontraram um
mandado de prisão contra ele, e o levaram para a detenção, onde ele ficou cinco
dias e só saiu na segunda-feira passada (4). O problema é que Flávio não é
procurado. Ele foi vítima de um erro da Justiça.
Preso na
quarta-feira, o guia de turismo foi levado para Central de Flagrantes de Natal,
onde passou a noite daquele dia, segundo ele, nu em uma cela. No dia seguinte,
ele foi destinado ao Complexo Penal João Chaves, na Zona Norte. Até então, ele
alegava não saber do que era acusado.
"Fiquei
dentro de uma cela que eu não desejo pra ninguém, porque eu nunca vi um negócio
tão nojento como aquilo lá dentro. Não sei como os outros aguentam. Eles são do
jeito que são, mas também são seres humanos. E estão lá dentro sofrendo aquilo
que eu sofri também. Não importa o que eles fizeram, o que importa é que tenham
um tratamento, não digo de rei, mas humano", relatou Flávio Júlio do
Nascimento sobre os dias na cadeia.
Apenas no
sábado (2), dois dias depois, Flávio conseguiu contato com a advogada, que
entrou com o pedido de habeas corpus, mas foi impedida de vê-lo. O pedido foi
atendido no domingo (3), quando um alvará de soltura foi expedido pelo Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). O relator do documento foi o
desembargador Cláudio Santos, que estava de plantão.
Em nota ao G1, a 2ª Vara Criminal de Parnamirim admitiu o erro e
informou que "houve um equívoco durante a migração de informações da
primeira versão do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) para a versão
mais moderna deste sistema". A nota diz que "com quase 1.000
procedimentos a serem realizados durante este trabalho, ocorreu a inserção do
nome de Flávio Júlio do Nascimento, por engano. Detectada a falha, o mandado
referente a este cidadão foi cancelado. Tão logo realizada, esta providência
foi informada à defesa dele".
Apesar do
alvará de soltura ter sido expedido no domingo (3), Flávio Júlio só conseguiu a
liberdade na segunda-feira (4). "O alvará foi negado no presídio, mesmo
com a presença de um oficial de justiça. Eles nos disseram que os funcionários
da parte administrativa não trabalham no domingo. No sábado, eles já tinham me
negado o acesso a ele, dizendo que não era dia de visita", disse Aparecida
Santana, advogada de Flávio Júlio.
Flávio Júlio
do Nascimento foi réu numa acusação de um roubo acontecido na praia de Pirangi
em 19 de janeiro de 2000. Ele, no entanto, foi absolvido do caso em 2010. Desde
então, não há nenhum processo judicial contra ele, nem mandado de prisão.
Outros dois homens que foram réus no caso em Pirangi, no entanto, foram
condenados. A defesa acredita que houve uma confusão nas expedições dos
mandados de prisão e vai entrar com uma ação de reparação contra o Estado.
Os dias na prisão
Flávio Júlio
do Nascimento relatou que os dias dentro do Complexo Penal João Chaves foram
dignos de um pesadelo. Ele definiu a cela em que ficou como um
"cubículo" e disse ter divido o espaço com outras 27 pessoas. O guia
contou também que havia poucas entradas de ar, o que deixava o lugar quente e
citou a presença de baratas.
"Tinham
27 pessoas dentro de um cubículo, todos sem camisa e um mau cheiro enorme. O
banheiro era só barata. Para tomar banho você tinha que tirar a torneira e a
água era regrada. Tinham quatro banhos por dia, ao menos isso, porque era um
forno. Tinha entrada de ar só na entrada da cela e o resto era escuro, só uma
lâmpada. E dormiam todos um do lado do outro. Você não podia se mexer, porque
se batesse no outro, ele também achava ruim porque estava atrapalhando o sono
dele", contou.
Enquanto
esteve no Complexo Penal João Chaves, ele disse só ter pensado nos pais.
"O que eu mais pensava lá dentro era como que meus pais iriam ficar
sabendo disso, porque minha preocupação toda era com meus pais. Eu não tive
contato com eles desde quando fui abordado e preso e só fui ter contato mesmo
com meu pai quando cheguei em casa", contou Flávio Júlio, que ligou para o
pai assim que saiu da prisão.
"Quando eu soube que ele estava preso, eu tive medo.
Foi uma emoção grande quando eu vi o meu filho chegando em casa. Ele estava
pagando por uma coisa que ele não fez", relatou o pai, o funcionário
público Júlio Ricardo, que descobriu apenas dois dias depois a prisão do filho.
G1RN