Uma das pedras preciosas mais caras que existem em uma das regiões mais
miseráveis do país. O Fantástico mostra como funcionava um esquema
internacional para explorar ilegalmente a turmalina paraíba e levá-la
para fora do Brasil.
Os repórteres Maurício Ferraz e Alan Graça Ferreira revelam como a
turmalina paraíba chegava à Tailândia, em um esquema que teria conexão
com um dos grupos terroristas mais temidos do mundo.
Sertão da Paraíba,
cidade de Salgadinho, distrito de São José da Batalha. É uma das
regiões mais pobres do país, mas guarda um tesouro valioso, 40 metros
debaixo da terra.
O Fantástico teve acesso à mina que funcionava até janeiro deste ano
sem autorização, sem segurança e com pouquíssima circulação de ar e
iluminação.
Maurício Ferraz: Você anda, anda, anda e vai faltando o
ar. Em alguns pontos da mina o que liga um túnel ao outro é um buraco
de 15, 20 metros. Eles colocam madeiras e a gente tem que confiar.
O lugar está no centro de uma fraude internacional que envolvia
empresários do Brasil e compradores estrangeiros, entre eles um homem do
Afeganistão, Zaheer Azizi, suspeito de envolvimento com um dos
principais grupos terroristas do mundo, a Al-Qaeda.
Apesar da precariedade no trabalho e dos riscos, uma preocupação a
empresa tinha: fechar os túneis com grade. As grades são para evitar o
roubo da pedra preciosa que era explorada ilegalmente. Os garimpeiros
chamam de caolim, um tipo de uma argila. E é geralmente onde eles
encontram a turmalina tão preciosa.
A turmalina paraíba é uma das pedras mais raras, mais caras e mais
procuradas do mundo. Mais rara até que o diamante. “É umas das gemas
mais caras que se tem pela raridade, porque o diamante, na verdade,
geologicamente falando, não é tão raro quanto se pensa”, afirma Antônio
Luciano Gandini, geólogo da Universidade Federal de Ouro Preto.
“A turmalina paraíba, devido ao seu neon, essa cor com essa grande luz
que ela tem, ela impressiona os olhos de todo e qualquer consumidor. Nós
podemos ter valores que podem começar de R$ 15 mil, R$ 20 mil e atingir
até R$ 200 mil por quilate”, diz a joalheira e gemóloga Lydia Leão
Sayeg.
Um quilate corresponde a 200 miligramas. O nome Paraíba vem do estado
onde ela foi descoberta. Existem outros tipos de turmalina. Nenhuma tão
valiosa quanto esta.
Além da Paraíba, mais três lugares do mundo produzem esse tipo de
turmalina: no Brasil, no Rio Grande do Norte; e na África, na Nigéria e
em Moçambique. Mas nenhum deles oferece uma pedra de maior qualidade do
que São José da Batalha. “São as melhores ocorrências do mundo na
Paraíba”, diz o geólogo Antônio Luciano Gandini.
Durante dois anos, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal
investigaram minas da região. Também acompanharam os passos de
garimpeiros e empresários no Brasil e no exterior com a ajuda do FBI, a
Polícia Federal dos Estados Unidos. Assim, desvendaram o esquema de
exploração ilegal das turmalinas paraíbas.
Rainieri Addario: É bom as pedras?
Sebastião Lourenço: Tem 150 gramas de mercadoria.
Rainieri Addario: Isso que tirou do passado ou tirou hoje?
Sebastião Lourenço: Hoje, começou hoje.
Rainieri Addario: Glória a Deus. Eu estou falando para você que nós vamos tirar um bilhão de doláres!
Duas pessoas falam na gravação, feita com autorização da Justiça em
março do ano passado: Ranieiri Addario e Sebastião Lourenço. Ranieri
seria um dos donos da empresa Parazul Mineração, que explorava sem
autorização a mina do começo da reportagem.
Segundo a investigação, Sebastião era um dos líderes do grupo e o
responsável pela venda das pedras. “Essa turmalina, a partir do momento
em que ela é extraída, ela é ensacada transportada para Parelhas,
município do Rio Grande do Norte”, diz o delegado da Polícia Federal
Fabiano Martins.
Em Parelhas, fica a sede da mineração Terra Branca, empresa que tem
autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral para extrair
pedras preciosas. Sebastião é um dos investidores. O irmão de Ranieri,
Ricardo, é um dos donos.
As turmalinas, raríssimas, eram misturadas com outras de menor valor.
De acordo com a investigação, essa fraude era uma forma de tentar
legalizar a exploração clandestina.
“Era feito dessa forma porque a organização criminosa não tinha
autorização para lavrar turmalina paraíba na mina de São José da
Batalha, mas tinha autorização para lavrar em Parelhas”, conta o
procurador da República João Raphael Lima.
“De Parelhas elas iam para Governador Valadares, onde elas eram
lapidadas e de lá elas eram remetidas para o exterior”, afirma Fabiano
Martins.
Imagens feitas por agentes do FBI em fevereiro do ano passado mostram
Sebastião vendendo turmalina paraíba extraída ilegalmente em uma feira
na cidade de Tucson, no Arizona, Estados Unidos.
Segundo a PF, em apenas cinco dias, o grupo teria faturado US$ 1
milhão. Ranieri e Sebastião estão entre oito pessoas suspeitas de
integrar a quadrilha. Sebastião e outros cinco foram presos. Ranieri
está foragido. O outro homem que segue livre é um cidadão do
Afeganistão: Zaheer Azizi.
“Era um financiador do grupo aqui no Brasil. Aquelas pedras eram
enviadas de alguma forma para ele e ele vendia essas pedras em vários
locais do mundo”, afirma João Raphael Lima.
O esquema foi denunciado por um brasileiro especialista em pedras preciosas, que prestava serviços ao grupo.
No depoimento, gravado pela Polícia Federal, o homem faz uma afirmação sobre Azizi: “Esse pertence à Al-Qaeda”.
A PF investigou essa alegação. Descobriu que o afegão está proibido de
entrar no Brasil desde 2005, quando chegou com passaporte falso. Na
época, as embaixadas do Brasil nas duas cidades onde ele tem casas,
Islamabad, no Paquistão, e Bangcoc, na Tailândia, enviaram telegramas
para o ministério das Relações Exteriores listando as suspeitas contra
Azizi.
O texto diz que há alegações de que Zaheer Azizi estaria envolvido com
os crimes de lavagem de dinheiro, contrabando de joias, tráfico de
drogas e subsídio ao terrorismo. A direção da Polícia Federal diz não
ter encontrado provas concretas ligando Azizi a grupos terroristas.
“É bom frisar que são apenas suspeitas”, diz o delegado.
“No Brasil não é crime financiar o terrorismo. O Congresso Nacional
brasileiro em nenhum momento editou lei que tipifique o crime
terrorismo”, afirma o procurador.
O Fantástico viajou até Bangcoc, na Tailândia, para procurar uma das
lojas do afegão Zaheer Azizi naquele país. A jornalista Mariana Aldano
foi até um centro comercial onde se vendem apenas pedras preciosas. Lá,
paraíba é sinônimo de luxo e riqueza.
Maria Aldano: Bastou dar uma voltinha no shopping que a
gente já encontrou uma prateleira cheia de turmalina paraíba. Depois de
passar pelo controle de segurança, a gente conseguiu chegar até uma das
lojas do Azizi e vamos ver se eles dão autorização e mostram para gente
a turmalina paraíba.
Após se identificar como jornalista, a repórter é obrigada a apagar o
que tinha filmado. Mas ela continua a gravar o áudio. O homem diz que o
chefe é o senhor Azizi e que ele não está.
Segundo a investigação, era de escritórios como o citado que Azizi
acompanhava seus negócios no Brasil, em tempo real, por câmeras de
segurança. Em uma gravação, de novembro do ano passado, Azizi, em
Bangcoc, conversa com Sebastião, na Paraíba:
Sebastião: Alô.
Zaheer Azizi: Oi.
Sebastião: Ei, Azizi.
O afegão deixa claro que consegue ver o brasileiro. “Eu posso vê-lo", diz Azizi.
Em nota, o advogado de Sebastião Lourenço afirma que Sebastião e Azizi
se conhecem há muitos anos, e que o afegão é um cliente importante. Ele
nega que Sebastião comercialize pedras da Parazul, a empresa que extraía
ilegalmente a turmalina paraíba.
O advogado de Rainieri Addario também nega as acusações e diz que seu
cliente não é mais sócio da empresa. “Ranieri foi vítima também dos que
hoje administram a Parazul”, diz Ivanildo Albuquerque Filho, advogado de
Rainieri Addario.
O irmão de Rainieri, Ricardo, também falou. Ele é dono da mineração
Terra Branca, empresa do Rio Grande do Norte, onde, segundo a
investigação, as pedras eram repassadas como legais. “Nós não temos
nenhum vínculo com o que acontece na Paraíba para lá”, afirma Ricardo
Addario, dono da mineração Terra Branca
Ele também afirma que não tem nenhum tipo de relação com o irmão. “Não
vejo, não vi, ele não frequenta a minha casa", afirma Ricardo Addario.
“O Ministério Público Federal irá processar essas pessoas por
organização criminosa com tentáculos internacionais, crime de usurpação
do bem da União, crime ambiental”, afirma o procurador João Raphael
Lima.
“Toda essa riqueza ia parar no exterior sem qualquer benefício para
comunidade. Eles cavavam de uma forma rudimentar, absolutamente
precária”, diz o delegado da Polícia Federal Fabiano Martins.
Situação que o Fantástico registrou, caminhando, com cuidado, pela mina em São José da Batalha.
Maurício Ferraz: Tudo muito improvisado. A fiação,
molhada. A madeira que faz escoramento está bem podre, úmida. Eram
nessas condições que os garimpeiros trabalhavam.
http://g1.globo.com/fantastico
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