Segundo movimento das famílias dos sacerdotes casados, 7 mil já pediram dispensa
A cada
quatro padres brasileiros, um larga a batina para se casar. O dado é do
Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados, que estima serem mais de 7
mil os religiosos que solicitaram no País a dispensa do sacramento da ordem em
troca do matrimônio. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil não divulga
números sobre a questão.
Clayton
de Souza/Estadão
Abel
Abati e sua mulher, Neide: 'Não ia ficar solteirão'
São quase
900 anos (desde 1139, no Concílio de Latrão) de história em que padres não
podem se casar. O tema é tabu. Nas últimas duas semanas, o Estado entrou
em contato com 12 ex-sacerdotes, todos casados. A maior parte deles não quis
falar. Outros contribuíram com informações, mas preferiram o anonimato,
"para preservar a mulher e os filhos".
As
histórias e opiniões deles, porém, são parecidas. Quase todos declaram que não
saíram da Igreja para se casar - mas que divergiam de muita coisa e o casamento
era consequência.
Defendem o celibato opcional. Muitos desempenham papéis
pastorais em suas paróquias e acompanham com interesse o papa Francisco.
"Estamos contentes com o espírito, as palavras e as atitudes cristãs dele.
Mas não dá para saber se e como ele vai enfrentar a realidade dos cerca de 150
mil padres casados no mundo", diz João Tavares, porta-voz do movimento.
O
professor Eduardo Hoornaert, que tem 82 anos e mora em Lauro de Freitas (BA),
foi padre por 28 anos. Deixou o sacerdócio em 1982, ano em que se casou.
Historiador especializado em história da Igreja no Brasil e na América Latina
continuou escrevendo artigos e livros. Afirma que, embora tenha abandonado os
ritos, não se desligou do ministério, "pois o ministério é o
Evangelho".
Hoornaert
acredita que uma eventual readmissão de padres casados não é prioridade para o
papa, que tem outros problemas a resolver. "Formar missionários com boa
formação evangélica, sem essa carga de 2 mil anos de dogmas e leis, é a
prioridade", observa. "É preciso reformular o ministério, e o papa
Bergoglio sabe muito bem disso."
Para o
historiador, que já participou de encontros de padres casados, esse segmento
não parece ser um celeiro de recursos para a alegada falta de sacerdotes no
Brasil, porque é heterogêneo.
"Alguns padres que se casaram são movidos
pelo saudosismo e gostariam de voltar, enquanto outros se adaptaram. A Igreja
tem leis e uma delas é a do celibato", diz Hoornaert. É bom lembrar, acrescentou,
que a maioria dos padres casados da associação tem mais de 50 anos. Os mais
jovens que deixaram o sacerdócio e se casaram têm outra cabeça.
Otto
Euphrásio de Santana trabalhava na pastoral da Arquidiocese de Natal quando
deixou o ministério e se casou, após dez anos de batina. Foi uma decisão
difícil, sobretudo por causa da família. Seus dois irmãos bispos - o cardeal d.
Eugenio de Araújo Sales, arcebispo do Rio; e d. Heitor de Araújo Sales, bispo
de Caicó (RN) e depois arcebispo de Natal - fizeram de tudo para que ele não
deixasse o sacerdócio. Optou pelo casamento e não se arrependeu. É ligado à
Igreja e está entusiasmado com o pontificado de Francisco (mais informações
nesta página).
Adaptação
social. Morador
da Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, e mineiro de Resende Costa,
Francisco de Assis Resende, de 72 anos, foi padre por dois anos: atuou em uma
paróquia da Vila Pompeia e foi capelão no Hospital das Clínicas. Abandonou a
batina, casou-se com uma então estudante de Pedagogia, teve duas filhas e
quatro netos. Ficou viúvo em 2010.
Ele conta
que o mais difícil é a adaptação à vida social. "Entrei no seminário com
12 anos. Foram outros 12 até ser ordenado." Cursou Serviço Social e fez
carreira na Volkswagen em São Bernardo do Campo, onde conviveu com o então
líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, e se aposentou. "No começo, me
afastei totalmente da Igreja. Tornei-me um agnóstico. Com o passar dos anos,
atuei na Pastoral Social. Hoje em dia, só vou à missa aos domingos."
Nascido
em Videira (SC), Abel Abati tem 73 anos e foi padre por quatro - também atuou
no Hospital das Clínicas. Em 1970, abandonou a batina. No mesmo ano, se casou
com uma enfermeira do hospital, Neide de Fátima, com quem vive até hoje.
"Não ia ficar solteirão", diz. A união resultou em quatro filhos e
quatro netas.
Formou-se
em Administração e trabalhou em multinacionais farmacêuticas. Nos anos 1980,
numa curta carreira política, foi administrador regional - o equivalente a
subprefeito - de Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. Desde então, parou de
frequentar a Igreja. "Não quero ter o carimbo de beato."
O Estado
de S.Paulo
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