O tráfico humano vem sendo cada dia mais comentado no mundo inteiro. O problema social atinge crianças, mulheres, homens e até idosos seduzidos com a possibilidade de mudança de vida e melhoria na profissão escolhida. É assim com modelos, jogadores de futebol e até idosos que sonham com um emprego melhor.
De acordo com o senador potiguar Paulo Davim (PV), o Brasil está no ranking como um dos países onde as mulheres são vítimas desse crime. “O que chamou atenção foi a esmagadora maioria do tráfico de mulheres, com 60% seguida de crianças dos dois sexos”, comentou.
Leia a entrevista completa.
Diógenes Dantas - A campanha da fraternidade desse ano tem como tema o tráfico humano. O senador Paulo Davim fez parte da CPI que investigou o assunto no Congresso Nacional. O relatório da CPI foi concluiod e já entregue ao Ministério da Justiça e a Polícia Federal. Na última entrevista ao Jornal 96, você trouxe números da realidade e queremos relembrar porque esse assunto é muito sério.
Paulo Davim – A CNBB tinha escolhido esse tema para ser o tema do ano passado, mas com a visita do Papa e o encontro mundial da Juventude, o tema ficou para esse ano. Inclusive o tema foi escolhido por causa da novela da Globo de grande sucesso que abordou o tráfico humano. O tema é válido, acho que a CNBB pegou o tema para chamar atenção da sociedade do Brasil e do mundo inteiro para esse crime que passa despercebido de todos.
Diógenes Dantas – São tráficos de todos os tipos e o tema é abrangente porque é gente jovem, criança, idoso. Mas o que mais chamou atenção no Congresso sobre a investigação que foi feita?
Paulo Davim – O que chamou atenção foi a esmagadora maioria do tráfico de mulheres, com 60% seguida de crianças dos dois sexos. Mas a inoperância e a falta de preparo da polícia para a investigação desse crime. O despreparo é total, inclusive da Polícia Federal. Na quarta-feira da semana passada estivemos com o diretor geral da Polícia Federal em Brasília, Leandro Daiero e ele mesmo falou das dificuldades da Polícia Federal no Brasil e das outras polícias em geral. Primeiro porque o crime se traveste de legalidade.
Há uma diferença do tráfico de pessoas para o sequestro. No sequestro a vítima vai se debatendo, contra a vontade e no tráfico a vítima vai seduzida por uma proposta, portanto ele se reveste de toda a legalidade possível. A vítima vai espontaneamente, pega o passaporte, tudo transparecendo legalidade e fica difícil diagnosticar o crime.
Diógenes Dantas – No caso das mulheres, a maioria das traficadas, a questão sexual para viajar e trabalhar em boates. Esse é o alvo desses traficantes?
Paulo Davim – Na verdade os objetivos são os mais variados possíveis. No caso das mulheres o objetivo sexual, o trabalho escravo, o matrimônio. Inclusive as crianças tem esse objetivo, as crianças de 8, 9 anos são levadas para lá para matrimônio e crianças em adoção. Mas o pior é o tráfico é a comercialização de órgãos. Esse crime é abominável por inteiro, mas a particularidade da comercialização de órgãos realmente é o mais desumano de todos os viés.
Diógenes Dantas – No caso mais famoso, que ocorreu aqui no Rio Grande do Norte, o caso das crianças do bairro Planalto que desapareceram e até hoje ninguém tem notícia, qual a conclusão da CPI?
Paulo Davim – As cinco crianças que desapareceram motivou a CPI vir ao Rio Grande do Norte por duas vezes e houve uma mudança de postura da policia depois da CPI. Houve troca de delgados, aprimoramento das investigações, o delegado Ben-Hur, mas conta com as dificuldades. Passagem, diárias e as dificuldades de locomoção para fazer.
Nós tivemos na Polícia Federal, em Brasília e fui com a senadora Ana Rita, o doutor Leandro Daiero, a Polícia Federal entrou na jogada em um ano. Dificuldade do tempo, negligência que houve, na investigação específica e a criança tem uma particularidade, crescem e mudam de fisionomia de 4, 5 e 6 anos. Se tiver fora do Brasil, elas já assimilaram a cultura desses países. Nessa época o Brasil era um “fornecedor” de crianças para o Tráfico. Na década de 80 estima-se que mais de 20 mil crianças brasileiras foram traficadas e até 90, não se tinha consciência desse crime, principalmente nos bolsões de pobreza. Os tráficos de pessoas são feitas em regiões pobre. Em Natal, no antigo forno do lixo, no bairro do Planalto. O delegado iria se reunir com os setores responsáveis e iria deslocar para darem um “upgrad” nesse caso. Ninguém chegou a ser responsabilizado e eu disse que mais do que para a sociedade, as famílias precisam saber o que aconteceu, a verdade. Eu ouvi muitos relatos dramáticos e uma das mães me disse que o que estava matando era a dúvida. Se estivessem vivo, se estivessem precisando de ajuda. O Brasil não dispõe de bancos de DNA. O delegado fez até um apelo e levar a proposta para o Congresso.
Diógenes Dantas – Nós falamos das mulheres, das crianças em situação de tráfico e no caso dos idosos. O que acontece com eles?
Paulo Davim – No caso dos idosos, o tráfico se dá mais como trabalho escravo ou quase análogo à escravidão. A princípio eles saem com uma proposta de receber um salário melhor, perspectiva de uma vida mais confortável e chegando lá eles descobrem que vão ter que pagar a passagem, a hospedagem e essa “conta” nunca bate [..] Tem o tráfico internacional e nacional também.
Diógenes Dantas – No caso dos trabalhadores que saem aqui do Nordeste pra trabalhar em fazendas no sul do Mato Grosso, se caracteriza como tráfico humano?
Paulo Davim – O tráfico nacional se caracteriza através do trabalho de homens para trabalhar como escravo em lavouras; as mulheres, para exploração sexual e também trabalho escravo; os travestis para trabalhar com exploração sexual e as crianças para adoção, rede pedofilia e até para trabalho escravo infantil.
Diógenes Dantas – E sobre os valores, há números do que é movimentado pelos traficantes de pessoas? É rentável?
Paulo Davim – A CPI chegou a conclusão que é o segundo “negócio” mais rentável do mundo, só perdendo para o tráfico de drogas. O valor gira em torno de 32 bilhões de dólares e a estimativa foi feita pela Unesco, órgão das Nações Unidas com apoio das ONG´s. São estimativas porque não há como precisar, mas há uma subnotificação dos casos.
Diógenes Dantas – Existe um ranking dos países onde ocorre o tráfico humano?
Paulo Davim – Existe. O Brasil é o segundo do mundo em relação às mulheres, só perde para a África. Na semana passada, a União Europeia anunciou isso. As crianças, por exemplo, o Haiti está liderando. O premier fez a denúncia “Ajudem o Haiti que nossas crianças estão sendo traficadas”. O destino é variado em várias partes do mundo.
Diógenes Dantas – O trabalho é importante do Senado. Um trabalho perigoso, com escuta da Polícia federal nos locais visitados pelos parlamentares..
Paulo Davim – Para você ter uma ideia, no Pará existe muito tráfico para o garimpo e existem cemitérios clandestinos no garimpo. Gerações de mulheres que chegaram e se prostituíram durante décadas: a avó, a filha e a neta que se prostituem: é um submundo.
Diógenes Dantas – E quais as soluções para esse crime?
Paulo Davim – Nós pedimos a mudança na legislação. Tipificar o crime de tráfico de pessoas e alguns cuidados que precisam mudar. Alguém precisa cuidar das pessoas que estão indo para fora do país. No caso de um desempregado brasileiro, ele vai para a Europa e não tem fiscalização nenhuma. Defendemos maior rigor e acompanhamento dessas pessoas. Um tipo de tráfico novo, mais de 5 mil jovens brasileiros estão jogando fora do país e ninguém sabe onde eles estão.
Marília Rocha
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