A
Comissão Pastoral da Terra divulgou nota nesta segunda-feira (13) a
respeito das declarações da ministra Gleise Hoffman sobre os conflitos
de terras que envolvem os povos indígenas.
A
nota destaca a declaração da ministra da Casa Civil do dia 8 de maio
durante reunião da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.
“Não
podemos negar que há grupos que usam os nomes dos índios e são apegados
a crenças irrealistas, que levam a contestar e tentar impedir obras
essenciais ao desenvolvimento do país, como é o caso da hidrelétrica de
Belo Monte”. E acrescentou: “O governo não pode concordar com propostas
irrealistas que ameaçam ferir a nossa soberania e comprometer o nosso
desenvolvimento”.
Segundo
a Comissão ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
as declarações “soam como uma afronta à Constituição Brasileira”.
Leia a nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA
Ministra afronta a Constituição Brasileira
A
Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra vem a público para
manifestar sua indignação e repúdio ao que faz o atual governo federal,
em defesa da sua visão monocrática de desenvolvimento e de submissão aos
interesses do agronegócio.
A
ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, no dia 8 de maio, em reunião da
Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, deixou claro qual é a
verdadeira e única visão do atual governo em relação aos sérios e graves
conflitos que envolvem os povos indígenas.
As
diversas manifestações indígenas que vêm ocorrendo nos últimos anos,
que mostram sua total discordância com projetos que afetam sua vida e
seus territórios, são atribuídos pela ministra a grupos que usam o nome
dos índios, tentando, com isso, desqualificar suas ações como se eles
apenas fossem massa de manobra nas mãos de outros interesses. “Não
podemos negar que há grupos que usam os nomes dos índios e são apegados a
crenças irrealistas, que levam a contestar e tentar impedir obras
essenciais ao desenvolvimento do país, como é o caso da hidrelétrica de
Belo Monte”, disse ela textualmente. E acrescentou: “O governo não pode
concordar com propostas irrealistas que ameaçam ferir a nossa soberania e
comprometer o nosso desenvolvimento”. A ministra deixa patente que o
econômico é o único compromisso do atual governo. Nada pode impedir que
os propalados “progresso e desenvolvimento” avancem sobre novas áreas,
desconhecendo totalmente os direitos dos povos que há séculos ali vivem e
convivem, se assim o governo definir como essenciais ao
desenvolvimento.
Com
essa fala, ela acaba por legitimar toda a violência empreendida contra
os povos originários no país. E confirma que o atual modelo de
“desenvolvimento” é o mesmo que se implantou no Brasil, desde a época do
Brasil Colônia, e se repetiu nos diversos períodos de nossa história.
Esquece-se ela, porém, que a Constituição, em seu artigo 231 garantiu:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens” e que o Brasil é signatário de
acordos internacionais que corroboram estes direitos. As declarações da
ministra soam como uma afronta à Constituição brasileira.
E
não são só palavras. Para garantir que as obras que o governo se propõe
realizar não sejam interrompidas, como nos tempos da ditadura militar,
militariza-se a questão. Em 12 de março, a Presidente Dilma assinou o
Decreto nº 7957/2013, que dá poderes ao próprio governo federal, através
de seus ministros de Estado, para convocar a Força Nacional em qualquer
situação que avaliarem necessário. E lá está a Força Nacional na região
onde se pretende construir o complexo Hidrelétrico do Tapajós. E estava
em Belo Monte para retirar os cerca de 200 indígenas de 8 etnias
diferentes, que ocupavam o canteiro de obras da usina, depois que o
governo conseguiu liminar da justiça para que os mesmos fossem
retirados, até mesmo com o uso da força. Pacificamente como entraram, os
indígenas deixaram o local.
E
não fica só nisso. Nas regiões, onde os índios depois de decênios de
espoliação, tentam reaver pequena parte do território que lhes
pertencia, o Palácio do Planalto desqualifica os trabalhos da Funai
propondo submeter os estudos de identificação e delimitação de terras
indígenas à análise da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), contrariando, mais uma vez a legislação brasileira.
Aliado
a isso tudo, a campanha anti-indígena que se desenvolve no Congresso
Nacional com a PEC 215, que quer transferir as atribuições
constitucionais da Presidência da República em reconhecer territórios
indígenas e de outras comunidades tradicionais para o Senado, e a
portaria 303 da Advocacia Geral da União que pretendia estender a todo o
Brasil, as condicionantes definidas para a TI Raposa Serra do Sol, nos
dão um quadro de como, depois de cinco séculos, os indígenas são vistos e
tratados neste país.
A
Coordenação da CPT espera que nossa Constituição seja respeitada em
primeiro lugar pelo próprio governo, garantindo “aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, e
também sobre os territórios dos quais foram espoliados. A preocupação da
CPT se dá, também, com relação aos quilombolas e outras comunidades
tradicionais sobre as quais cresce a pressão do capital, apoiado pelos
poderes públicos. É hora de respeitar e de garantir a diversidade
presente em nosso país, e o espaço físico para reprodução física e
cultural dos povos e comunidades existentes.
Goiânia, 13 de maio de 2013.
Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Redação Portal A12
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