O Senado aceitou, no início da manhã desta quinta-feira (12), o
pedido de abertura do processo de impeachment da presidente Dilma
Rousseff (PT). Ela deixa a Presidência um ano e quatro meses depois de
assumir seu segundo mandato. O vice-presidente Michel Temer (PMDB)
assume interinamente assim que Dilma for comunicada oficialmente sobre o
afastamento. Ela terá de assinar um documento e, a partir daí, será
obrigada a deixar o Planalto. A sessão durou 20 horas e meia.
Dilma
pode ficar afastada por até 180 dias, mas o processo no Senado pode ser
mais rápido. Se for considerada culpada, sai do cargo definitivamente e
perde os direitos políticos por oito anos (não pode se candidatar a
nenhum cargo). Temer será o presidente até o fim de 2018. Se for
inocentada, volta à Presidência.
Para que o processo que resulta
no afastamento da presidente fosse instaurado, eram necessários ao menos
41 votos (maioria simples) favoráveis.
Os senadores discursaram
por quase 20 horas. A primeira a falar, Ana Amélia (PP-RS), começou às
11h20 da quarta-feira. O último, Raimundo Lira (PMDB-PB), terminou às
5h45 da quinta-feira. Depois de encerrado o debate, o relator da
comissão do impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG) falou por
15 minutos, seguido pelo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU),
José Eduardo Cardozo, que falou pela defesa de Dilma.
Esta é a
segunda vez em 24 anos que um presidente da República é afastado
temporariamente para julgamento após uma decisão do Senado. Em outubro
de 1992, o Senado abriu o julgamento do então presidente Fernando Collor
de Mello, na época filiado ao PRN.
Collor renunciou antes de ser
julgado. Mesmo assim, teve seus direitos políticos cassados pelo Senado
por oito anos. Em 2014, o STF (Supremo Tribunal Federal) o absolveu
por falta de provas.
Sem cartazes, votação no Senado foi tranquila
O
clima no Senado foi de mais tranquilidade em relação ao dia em que a
Câmara votou a admissibilidade do impeachment. Durante as longas horas
de sessão, o aspecto era de um dia normal do Senado, sem faixas no
plenário, ao contrário da Câmara, onde havia cartazes com os dizeres
"tchau, querida" e deputados usando cachecóis com inscrições contra ou a
favor do impeachment.
Enquanto os oradores subiam à tribuna para
falar, o plenário, distraído, mantinha conversas amistosas entre os
senadores. O barulho do bate-papo levou o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), a pedir silêncio mais de uma vez.
Apesar da
segurança reforçada e da repetição do muro no gramado do Congresso
Nacional para conter protestos, o número de manifestantes foi bem menor
que no dia 17 de abril, quando a Câmara aprovou o impeachment. Do lado
de fora, a Polícia Militar do Distrito Federal jogou bombas de gás em
manifestantes contrários ao impeachment. Foram pelo menos dois
confrontos em momentos distintos e dezenas de pessoas passaram mal. Dois
manifestantes tiveram de ser atendidos em ambulâncias no local.
A
SSP-DF (Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal) estimou em
4.000 o número de manifestantes contrários ao impeachment e em 1.000 o
de favoráveis ao afastamento de Dilma. Os grupos começaram a se
dispersar por volta das 22h40.
Dentro do Senado, a circulação
nos corredores foi restrita e assessores e jornalistas precisaram de
credenciamento especial para assistir à sessão.
Mas a tensão
entre governo e oposição que marcou os debates na Câmara não se repetiu.
Não houve vaias ou gritos de guerra no plenário, que em alguns momentos
chegou a ficar esvaziado enquanto senadores discursavam.
Enquanto
na Câmara os deputados tiveram 30 segundos para anunciar seu voto, no
Senado foram 15 minutos de discurso. Ainda assim, foram ínfimas as
citações a Deus, aos familiares e à respectiva terra natal dos
senadores, diferentemente do ocorrido entre os deputados.
Enquanto
senadores da oposição reforçaram o discurso de que Dilma de fato
cometeu crimes de responsabilidade que aprofundaram a crise econômica,
parlamentares contrários ao impeachment voltaram à acusação de que a
deposição da presidente seria um "golpe de Estado" pois os fatos
narrados pela acusação não configuram crimes puníveis com o impeachment.
Primeira
a discursar na sessão, Ana Amélia (PP-RS) também foi a primeira a
anunciar voto favorável ao impeachment. "São graves, portanto, os fatos
imputados contra a Senhora Presidente da República", disse. "O que isso
provoca? A sociedade já poderia responder: 11 milhões de desempregados, a
taxa básica de juros está em quase 15%, a inflação está em 9,28%",
afirmou a senadora.
Presidente do PSDB, principal partido de
oposição, o senador Aécio Neves (MG), derrotado por Dilma nas eleiições
de 2014, disse que o vice-presidente Michel Temer "não tem que se
preocupar com a popularidade", ao tomar medidas que possam não agradar a
população.
Em discurso durante a sessão do Senado, Aécio
defendeu que Temer faça um ajuste fiscal e "enfrente questões" como a
previdenciária, a "modernização da legislação trabalhista" e uma reforma
política que limite o número de partidos. Ao encerrar, o tucano afirmou
que o Senado inicia nesta quinta-feira um "futuro melhor para o país".
O
primeiro senador a defender o mandato de Dilma, Telmário Mota (PDT-RR)
defendeu que os movimentos contrários ao impeachment continuem a
realizar manifestações, mesmo após o afastamento da presidente. "Vamos
voltar às ruas. Não vamos deixar o povo brasileiro ser enganado". Mota
falou ainda em "golpe branco" contra a presidente, "por não usar armas
de fogo, mas a caneta, os conchavos, os oportunismos, as traições",
disse.
Próximos passos
O senador Romero
Jucá (PMDB-RR), um dos principais aliados e provável ministro no governo
Temer, afirmou que Dilma deve ser notificada da decisão do Senado às
10h desta quinta-feira (12), e Temer, às 11h. Após ambos serem
notificados, Temer assume interinamente a Presidência da República.
Segundo
Jucá, os novos ministros do governo Temer devem assumir os cargos já na
tarde desta quinta-feira. "Não há vazio de poder", afirmou o senador,
que é cotado para assumir o ministério do Planejamento.
Com o
processo de impeachment aberto, terá início a discussão e análise da
denúncia contra Dilma. Haverá apresentações da acusação e da defesa.
Nesta fase, a ação tramita sob o comando do presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski.
O processo culminará com o
julgamento final dos senadores, em votação nominal e aberta no
plenário. Dilma será afastada definitivamente da Presidência se dois
terços do Senado (54 dos 81 senadores) decidirem que ela cometeu crime.
Nesse caso, o vice-presidente, Michel Temer (PMDB), governará até o fim
deste mandato.
Ministros devem pedir demissão; Dilma promete resistir
Em
ato programado para reformar a acusação de que o impeachment é um
"golpe", os ministros do governo Dilma Rousseff anunciaram um pedido de
demissão conjunto, logo após a aprovação da decisão do Senado.
À
exceção dos ministros Alexandre Tombini (presidente do Banco Central) e
Ricardo Leyser (interino dos Esportes), todo o primeiro escalão do
governo Dilma deve entregar os cargos. Tombini e Leyser serão mantidos
para evitar sobressaltos na economia e na organização da Olimpíada do
Rio.
Mesmo afastada, Dilma pretende se defender no Senado para
retomar a Presidência. Sua defesa deve ser feita por José Eduardo
Cardozo, atual advogado-geral da União, mas que deve perder o cargo com a
posse de Temer.
Cardozo, aliás, foi o responsável pelo recurso
encaminhado à Câmara que gerou a anulação das sessões que definiram o
avanço do impeachment na Casa. Essa anulação foi decidida pelo
presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA). A
decisão, porém, foi considerada intempestiva (fora de hora) pelo
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que deu continuidade à
tramitação do impeachment.
Da votação da Câmara à votação no
Senado, Temer, por sua vez, intensificou discussões para montagem de seu
governo. Seu partido, o PMDB, já havia decidido deixar o governo de
Dilma dias antes da votação dos deputados. Integrantes da legenda,
então, passaram a negociar postos já antevendo um governo interino.
Outros
partidos, como o PP e o PSD, também já desembarcaram do governo Dilma e
negociam participação no governo Temer. O PSDB, partido de oposição,
deve aderir ao governo interino e assumir ao menos um ministério.
Acusação e defesa
Dilma
é acusada de cometer crime de responsabilidade, previsto na Lei do
Impeachment (lei 1.079/1950), ao autorizar supostas manobras contábeis
chamadas de pedaladas fiscais. Elas se caracterizam pela prática do
Tesouro Nacional de atrasar intencionalmente o repasse de dinheiro para
bancos (públicos e privados) e autarquias (por exemplo, o INSS) a fim de
melhorar artificialmente as contas federais.
Segundo os autores
originais do pedido de impeachment da presidente, os juristas Hélio
Bicudo, Miguel Reale Jr. e a advogada Janaina Paschoal, as "pedaladas
fiscais" teriam sido praticadas em 2014 e reeditadas em 2015, já no
segundo mandato de Dilma.
Os juristas também apontam crime de
responsabilidade da presidente na edição de seis decretos autorizando
despesas extras num total de cerca de R$ 2,5 bilhões, em 27 de julho e
20 de agosto de 2015, sem a autorização do Congresso.
A defesa da
presidente nega a existência de crime e, por isso, diz que o
impeachment é um golpe. Segundo a defesa, o atraso no repasse de
dinheiro a bancos, por exemplo, é prática comum em esferas do Poder
Executivo e não é grave a ponto de interromper o mandato de um
presidente eleito democraticamente.
O governo argumenta também
que as contas relativas a 2015 ainda não foram nem sequer avaliadas
pelos órgãos de controle e, portanto, não pode haver crime antecipado.
Trâmites do processo
O
pedido de impeachment que tramita no Congresso é baseado na denúncia de
que "houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a
nação (e também aos investidores internacionais) a sensação de que o
Brasil estaria economicamente saudável", como escrevem seus autores.
O
proceso foi acolhido no dia 2 de dezembro do ano passado pelo então
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ato foi
recebido pelo governo como ato de revanche de Cunha, em reação à
abertura de processo de cassação de seu mandato no Conselho de Ética da
Câmara.
No último dia 5, o mandato de Cunha acabou suspenso por decisão do STF antes de uma decisão do conselho.
O
rito do impeachment (norma que a tramitação deve obrigatoriamente
seguir no Congresso) foi motivo de embate entre Legislativo e
Judiciário, com a decisão sendo regulamentada pelo STF.
A
denúncia que chegou nesta quarta ao plenário do Senado já obedece às
etapas determinadas pelo STF. Ela foi aprovada em comissão especial da
Câmara por 38 votos a favor e 27 contra, pelo plenário da Casa por 367 a
137, e na comissão especial do Senado por 15 a cinco.
Fonte: UOL
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