O
motorista de transporte por aplicativo Edilton Oliveira, de 24 anos, substituiu
o consumo de carne vermelha por frango e deixou de ir ao shopping com as duas
filhas no final de semana. A mudança de hábitos, no entanto, não se deu de
maneira espontânea, já que, pelo menos aos domingos, ele mantinha a rotina de
se reunir com os amigos para um churrasco ou levar as filhas para comer um
sanduíche fora de casa. Porém os altos preços de itens alimentares básicos,
dentre eles a carne, o café e o arroz, impactaram diretamente o orçamento de
Edilton e da maioria dos brasileiros, que agora adotam novos comportamentos
para tentar se ajustar a uma realidade de inflação em disparada.
O
economista Thales Penha explica que, para analisar os efeitos da escalada de
preços no bolso do consumidor, é preciso fazer uma estratificação, já que a
população de menor renda sente mais os impactos. É esta parcela que vai alterar
hábitos de consumo, inclusive, em outras áreas. “As pessoas mais carentes vão
reduzir o consumo de lazer, trocar o ônibus pela bicicleta para ir ao trabalho
e até mudar de aluguel, deixando um local mais caro por um mais em conta, já
que não é possível parar de consumir os produtos básicos da alimentação”, diz.
É
o que tem feito o motorista Edilberto Oliveira. “Tenho duas filhas, uma de seis
e outra de dois anos. Em uma ida com elas e com minha esposa ao shopping para
comer sanduíche, eu gastaria em torno de R$ 150, então, prefiro ficar em casa.
Carne é outra coisa que praticamente não compro, só frango mesmo”, relata.
A
assistente comercial Sayane Camila confessa que a opção para economizar tem
sido uma só. “Busco sempre promoções, porque está tudo muito caro. O café, por
exemplo, virou artigo de luxo”, ela fala.
E
a situação não deve melhorar no curto prazo. Especialistas ouvidos pela
reportagem apontam que 2025 será um ano bastante desafiador para o controle da
inflação dos alimentos. Na avaliação de Thales Penha, professor do Departamento
de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), medidas, de
fato, mais eficazes, levam tempo para surtir efeito. “É preciso uma série de
políticas estruturantes, no sentido de melhorar a capacidade de infraestrutura
e de custos ao produtor em relação à importação e também à fabricação de
insumos”, comenta o professor.
Para
William Figueiredo, economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo do RN (Fecomércio RN), a alta no preço dos alimentos deverá acompanhar
a inflação como um todo, o que fará de 2025 um ano bastante complicado. “As
projeções apontam que a inflação deve ficar acima do teto novamente e maior do
que a de 2024. Além disso, temos aumento de juros e um câmbio bastante
elevado”, prevê o economista.
Conforme
divulgado na semana passada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), as
expectativas do Banco Central são de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) chegará a 5,2%. No ano passado, o índice fechou em 4,83%.
Super
safra pode ajudar a amenizar impactos
O
economista Robespierre do Ó acredita que uma super safra, conforme se espera,
possa ajudar a controlar o cenário em 2025. No entanto, as questões climáticas,
que representaram o principal fator para as elevações atuais, podem, mais uma
vez, alterar os cenários. “Se essa super safra se confirmar, a tendência dos
preços é cair e de haver estabilidade. A situação de produtos como o café
depende muito disso. Mas não é algo cravado, porque pode haver a interferência
de elementos climáticos”, disse Robespierre.
José
Vieira, presidente da Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande
do Norte, comentou que não há solução mágica para reduzir os preços dos
alimentos, mas esclarece que, apesar das questões climáticas que influenciaram
a produção em 2024, não há crise de desabastecimento. Este seria um sinal de
que a inflação pode apresentar algum freio. “Teremos uma safra recorde de grãos
este ano e boa parte dos outros produtos da agropecuária terão aumento de
produção”, aponta Vieira.
Robespierre
do Ó ressalta que o aumento dos preços em nada tem a ver com o crescimento de
consumo e cita que os estoques reguladores seriam uma saída para aliviar o
bolso do consumidor. “Não existe um ambiente de consumo que possa justificar a
inflação, porque, na verdade, as pessoas estão ‘correndo’ mais para conseguir
comprar. Então, na hora em que o Governo tem escassez de um produto nas
prateleiras, ele pega esse mesmo produto no estoque e joga no mercado para
derrubar os preços”, explica Robespierre.
Os
estoques reguladores começaram a ser esvaziados em 2016, quando a Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab) deixou de comprar alimentos como feijão,
arroz, milho, soja, trigo e café para armazenamento. O professor Thales Penha
concorda que a falta de estoques, em conjunto com eventos como as secas no
Centro-Sul e Centro-Oeste do País e as enchentes no Rio Grande do Sul
contribuíram para o atual quadro. “Diante desses eventos, nossa produção caiu
significativamente. Aliado a isso, desde 2016 a gente teve uma nova política
agrícola que destruiu nossos estoques reguladores de alimentos”, explica o
economista.
Alta
afeta restaurantes, que tentam segurar os preços
Os
preços dos itens da alimentação em domicílio registraram alta de 8,23% em 2024
em todo o Brasil, bem acima da inflação do País, que fechou o ano com índice de
4,83%. A alimentação é responsável pelo comprometimento da maior parte da renda
de boa parcela dos brasileiros, por isso o aumento dos preços de itens básicos
como café (39,6%), óleo de soja (29,21%), carnes (20,8%), arroz (8,24%),
açúcares e derivados (5,59%) tem chamado tanta atenção. A elevação provoca
efeitos em cadeia e já chegou para os donos de restaurantes da capital
potiguar, embora os consumidores ainda não tenham sido afetados nesse aspecto.
José
Ari, proprietário de um restaurante na Avenida Duque de Caxias, na Ribeira,
fala que, mesmo com as altas expressivas, não tem repassado os custos para os
clientes. O temor dele como empreendedor é que os consumidores se afastem.
“Houve um aumento generalizado, mas a gente não pode chegar e mudar os preços,
porque o cliente some. Por enquanto, estou aguentando do jeito que está”,
comenta.
Rute
Dayane, dona de um self-service no mesmo bairro, diz que sente o impacto toda
semana, quando vai às compras. Ela pretende oferecer opções de churrasco em
breve e conta que, com o preço atual das carnes, deverá passar algum reajuste
ao cliente.
“A
cada compra vejo que ocorre uma baixa de até R$ 400 no meu faturamento, porque
o preço do almoço aqui está no limite do barateamento. Então, sinto que poderia
estar lucrando esse valor de R$ 400 de alguma forma. Atualmente, como ainda não
sirvo churrasco, não aumentei [o preço do almoço], mas quando as opções [de
carne] entrarem no cardápio, com certeza vou reajustar”, diz Rute.
Especialistas
analisam que a manutenção dos preços será uma tarefa árdua para as empresas de
alimentação fora do lar, especialmente diante da aparente ausência de soluções
rápidas para conter a alta.
Thales
Penha acredita que, em algum momento, os restaurantes terão de fazer reajustes
para os clientes. “A alimentação fora do lar já é uma das mais caras no Rio
Grande do Norte, e boa parte dos aumentos de preços vai ser repassada em algum
grau, porque não tem como segurar se não houver nenhuma política capaz de frear
os preços”, afirma.
“Temos
um constante desafio, porque estamos falando de corroer margens de lucro. Em
2024, o setor segurou – e perdeu – 2% da inflação dos alimentos e para este ano
será ainda mais desafiador, porque outros insumos precisam ser levados em conta
em um restaurante, como aluguel e energia, os quais também ficaram mais caros”,
analisa William Figueiredo, da Fecomércio.
Estoque
Além
de restaurantes, os supermercados e mercadinhos são impactados. Pedro Henrique
Cordeiro, que é auxiliar de vendas em um mercadinho na Redinha, na zona Norte
de Natal, comenta que as vendas no estabelecimento apontam para uma redução de
40% nos cinco últimos meses. Segundo ele, o estoque do mercadinho também está
menor. “Não dá para manter tantos produtos que estragam rápido, então, a gente
tem diminuído a quantidade de alguns itens no estoque”, conta.
O
cenário de vendas em baixa tem sido observado pelo presidente da Associação dos
Supermercados do Rio Grande do Norte, Mikelyson Góis. “É muito comum o cliente
trocar um item por outro. A gente observa também um volume menor de vendas”,
comentou o presidente, mas sem mencionar números.
Em
relação a 2025, Góis afirmou que prefere aguardar um pouco mais para traçar um
panorama. “Este é um período onde as pessoas vão para o litoral e o consumo
cai. Então, preferimos esperar para ver o que vai acontecer a partir de
fevereiro e queremos acompanhar como os preços vão se comportar”, pontuou.
Tribuna do Norte