Ao menos 298 candidatos a
vereador e prefeito que declararam à Justiça Eleitoral mais de R$ 1 milhão em
bens receberam auxílio emergencial do governo, segundo levantamento do O Globo.
Ter patrimônio alto não é necessariamente um impeditivo para receber o
benefício, mas é um indício de irregularidade.
Tem direito a receber o
auxílio quem for autônomo, informal ou estiver desempregado, pertencer a uma
família com renda familiar mensal de até três salários mínimos (ou meio salário
mínimo por pessoa) e não tiver recebido, em 2018, rendimentos tributáveis acima
de R$ 28,5 mil.
O advogado João Ricardo
Baracho Navas, candidato a vereador em Itapetininga (SP) pelo PP, declarou um
patrimônio de R$ 6,4 milhões. Ele é dono de um shopping e de um escritório de
advocacia, além de um barco e alguns carros. Anunciou, recentemente, que está
investindo em um novo prédio comercial e, neste mês, pediu indicação de
faxineira para trabalhar duas vezes por semana. Contatado, diz que requisitou o
auxílio porque está “tudo parado”:
— Não tenho renda nenhuma.
Meus imóveis, que são de locação, não estão funcionando, e meu escritório está
parado. Tenho quatro filhos para criar. Não é fácil. Nessas épocas de crise, o
patrimônio gera até despesas, porque tem que mandar funcionário embora.
Demitimos todo mundo.
Marcelo Barros, candidato a
vereador pelo PSC em Varginha (MG), tem um patrimônio declarado de R$ 3
milhões, sendo um terço do valor referente ao terreno onde fica o motel de seu
irmão que, segundo ele, está sem receber visitantes.
— Eu fui gerente da Peugeot,
mas hoje eu tenho 70 anos e ninguém me dá um emprego. São coisas que vão
acontecendo na vida da gente. Eu não ganho nada, infelizmente — diz Marcelo.
Entre os candidatos com
patrimônio milionário que receberam auxílio emergencial identificados pelo
GLOBO, há 15 pessoas com patrimônio acima de R$ 5 milhões; 254 são candidatos a
vereador, 25 a vice-prefeito e 19, a prefeito.
Dilonzinho Miranda, candidato
a vereador em Virginópolis (MG) pelo PL, declarou um patrimônio de R$ 5,8
milhões. Ele tem três fazendas, dois caminhões, uma caminhonete e um carro.
Ainda assim, recebeu o auxílio. Procurado, ele não respondeu por que pediu o
benefício.
Alguns dos milionários podem
ter sido alvos de fraude, como ocorreu com o candidato a prefeito Beto
Francisco Machado, de Pirajuba (MG). Com um patrimônio de R$ 7,8 milhões, ele
afirma que seu nome foi usado indevidamente. Ele já devolveu o dinheiro à União
e enviou os comprovantes ao O Globo.
O fazendeiro Geso Evangelista
Nerys, com patrimônio de R$ 2,9 milhões, alega que, apesar de ser dono da
fazenda (com plantação de milho e 55 cabeças de gado), ter dois tratores e
caminhonete, está praticamente sem renda. Ele vai concorrer a vereador em Vila
Propício (GO) pelo PDT.
— Sou dono, mas sou dono
fraco. Não estou dando conta nem de tocar a terra. Pode ter patrimônio, mas sem
investimento, não dá conta, o mato toma conta (do terreno). Tive muito prejuízo
no milho neste ano.
Para as parcelas futuras de
R$ 300 do auxílio emergencial, o governo endureceu as regras, excluindo quem
tinha a posse ou propriedade de bens ou direitos de valor superior a R$ 300 mil
em 31 de dezembro de 2019. O critério não existia nos pagamentos anteriores,
analisados pelo O Globo.
Indício de crime
Para o advogado especializado
em direito penal Pedro Luís de Almeida Camargo, a declaração falsa para obter o
auxílio pode configurar crime:
— Se for constatado que a
pessoa inseriu informações falsas na declaração para receber o auxílio, ela
pode ser investigada e processada pelo crime de estelionato, que prevê pena de
um a cinco anos, aumentada em um terço pelo fato de a fraude ter sido cometida
em detrimento da União.
José Moroni, membro do
colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos de Brasília, diz
ser possível investigar os casos apontados.
— O que justifica que alguém
que tenha um patrimônio acima de R$ 1 milhão não tenha tido uma renda de, no
caso de 2018, até R$ 28 mil? É possível que ela não tenha declarado a renda no
Imposto de Renda. Ou seja, esse pode ser um indício de uma outra irregularidade,
que é a sonegação.
O Ministério da Cidadania
afirmou que “tem atuado em conjunto com Polícia Federal e Ministério Público
Federal para garantir a persecução penal de crimes praticados contra o auxílio
emergencial”. A pasta disse ainda que, além “das sanções civis e penais
cabíveis”, quem recebeu o benefício indevidamente terá de devolver o valor. O
ministério diz já ter recebido de volta R$ 166,19 milhões pagos a quem não
teria direito e que o índice de desconformidade no auxílio é de apenas 0,44%,
segundo uma análise da Controladoria-Geral da União.
O Globo