Apesar de 2014 ser ano de eleição e a Justiça Eleitoral ter
uma série de regras para impedir a autopromoção dos candidatos fora de
hora, os governadores que ocupam atualmente os cargos terão em caixa
quase R$1,5 bilhão para realizar a promoção das respectivas realizações e
governos neste ano.
Os dados são de um levantamento feito por
Terra Magazine nas chamadas Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) de cada um
dos 26 governos estaduais brasileiros e também do Distrito Federal. O
valor total de gastos de todos os estados consultados soma R$1,489
bilhão.
Os gastos dizem respeito às administrações direitas dos
estados e podem crescer se considerados os gastos das empresas estatais
de cada unidade federativa, como empresas de energia, água, luz ou de
transporte, que não divulgam as cifras publicitárias que pretendem
gastar no ano.
Segundo o levantamento, em pelo menos quatro
estados a chamada “verba de comunicação e publicidade institucional”
passa dos R$100 milhões. É o caso de São Paulo, Distrito Federal, Ceará e
Bahia.
Nos dois primeiros casos, SP e DF, os atuais
governadores, Geraldo Alckmin (PSDB) e Agnelo Queiroz (PT), tentam a
reeleição. Na Bahia de Jacques Wagner (PT) e no Ceará de Cid Gomes
(PROS) os dois governadores não podem mais ser reeleitos, mas têm
sucessores escolhidos a dedo para tentar manter as respectivas legendas
no poder.
O campeão de gastos com publicidade em 2014 será o
governo de São Paulo. A administração comandada por Geraldo Alckmin
poderá gastar até R$188,7 milhões em propaganda.
O montante é
superior aos gastos programados para ao menos três secretarias de Estado
em 2014, segundo a proposta orçamentária de São Paulo deste ano. A
Secretaria de Energia, por exemplo, terá R$134,8 milhões no ano. Já na
Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano a dotação orçamentária
prevista é de R$163,1 milhões, assim como na Secretaria de Esportes e
Juventude, que tem previstos R$185,3 milhões em gastos neste ano de Copa
do Mundo.
A verba destina por Alckmin à propaganda do governo
supera, inclusive, a soma dos outros três estados da região Sudeste:
Rio, Espírito Santo e Minas Gerais que, juntos, devem gastar cerca de
R$162,4 milhões com publicidade institucional.
No Distrito
Federal a coisa é mais curiosa. Embora tenha apenas 31 cidades satélites
sob o guarda-chuva do GDF (São Paulo tem 645 municípios), as chamadas
administrações regionais, o governo de Agnelo Queiroz terá cerca de
R$142 milhões em caixa para divulgar as benfeitorias da administração
dele.
O valor é superior aos gastos programados das secretarias de
Desenvolvimento Econômico (R$ 31 milhões) e Cultura (R$128,2 milhões) no
ano corrente.
A cifra é quase o dobro dos R$86 milhões que o
Governado de Goiás tem para gastar com o mesmo propósito no período, que
já é considerado demasiado por alguns especialistas.
Outros estados
Embora
não esteja entre os campeões de autopromoção no Brasil, o
presidenciável Eduardo Campos (PSB), governador de Pernambuco, terá
cerca de R$65,7 milhões para aplicar na divulgação dos bons atos do
governo dele no Estado, segundo a LOA pernambucana, publicada no site do
governo.
O valor é maior que as verbas das secretarias de
Esporte (R$57,1 milhões), Secretaria da Mulher (R$19,1 milhões),
Secretaria Extraordinária da Copa (R$ 55,8 milhões) e da Controladoria
Geral do Estado (R$14,6 milhões), concebidas pelo próprio governador de
Pernambuco.
O mesmo vale para o Rio de Janeiro de Sérgio Cabral
(PMDB), que deve deixar o cargo em março para concorrer ao Senado, mas
abandona a cadeira com cerca de R$89,3 milhões em caixa para o vice,
Luiz Fernando “Pezão”, gastar em publicidade.
Pezão, como se sabe, é candidato ao governo do Rio em outubro.
Envolto
em problemas de liquidez de caixa no Paraná, o governador tucano Beto
Richa reservou R$89 milhões para gastos em comunicação e publicidade do
governo em 2014.
Em ano de Copa, o valor é maior que os R$20,3
milhões reservados para a Secretaria Estadual de Turismo e também para a
Secretaria de Esportes, que terá em caixa apenas R$31,1 milhões.
Regras
Apesar da Justiça Eleitoral impedir o aumento das
verbas publicitárias em ano eleitoral e determinar que o dinheiro de
propaganda em 2014 seja a média dos três anos anteriores, a mesma
Justiça não impede que todo o recurso seja gasto no primeiro semestre.
De acordo com a regra, os governadores são impedidos de fazerem
propaganda de seus respectivos governos até quatro meses antes da
eleição.
Portanto, até o final do mês de junho os atuais
governantes podem usar e abusar das verbas públicas para promoverem as
próprias ações.
Outro lado
Procurado
pela reportagem, o Governo de São Paulo informou por meio da assessoria
que os gastos em publicidade previstos para esse ano obedecem as leis
vigentes e estão entre os menores do Brasil, na comparação de gasto por
número de habitantes.
Por esse critério, São Paulo deve gastar
em 2014 cerca de R$4,32 por habitante paulista com publicidade oficial,
figurando apenas na 24ª posição entre os 27 governos analisados.
Neste
mesmo critério, o governo de Agnelo Queiroz lidera a lista, gastando
cerca de R$50,90 por habitante do Distrito Federal, seguido por Roraima
(R$31,98 por habitante), Amapá (R$23,53) e Acre (R$18,48).
“Comparar
valores absolutos entre estados com realidades e orçamentos
completamente distintos revela ignorância ou má-fé. Qualquer estudo
sério, em qualquer área, utiliza outros parâmetros para permitir a
comparação correta. É uma das formas de comparação utilizadas, por
exemplo, na elaboração de homicídios por 100 mil habitantes”, argumenta o
governo paulista.
O governo paulista também lembra que o
orçamento de São Paulo é maior do País em todos os sentidos e, portanto,
é natural que também lidere os gastos de outras ordens, como os de
Publicidade.
“O uso de publicidade institucional pelo Governo do
Estado atende aos interesses da população, em conformidade com artigo o
37 da Constituição Federal. Os gastos se justificam pela necessidade do
Governo do Estado de informar a população sobre programas e serviços,
como campanhas de vacinação, de prevenção a dengue, Nota Fiscal
Paulista, serviços de transporte, entre outros, que só têm razão de
existir se a população estiver adequadamente informada sobre eles”,
aponta a nota redigida pelo governo.
Capital federal
O governo do Distrito Federal, por sua vez, diz que as verbas
aprovadas em orçamento “são adequados para a publicidade em observação
ao preceito constitucional de que é obrigação do gestor público dar
publicidade a seus atos e ações em benefício da população”
Por meio de nota, o secretário de Publicidade do GDF, André Duda, diz
que usa "critério técnico" para escolha dos veículos de comunicação que
vão receber ou não as verbas publicitárias da capital federal.
Ou
seja, as verbas são gastas de acordo com a participação do veículo na
audiência do meio que atua. Na prática, isso quer dizer, por exemplo,
que a TV Globo pode receber mais verbas, porque tem mais participação na
audiência total do segmento TV. O mesmo ocorre com as revistas e
jornais que lideram os respectivos segmentos, por exemplo.
“O
Distrito Federal, além de ser a Capital do país, é ao mesmo tempo estado
e município. Levando em consideração esse fato, apesar de existirem no
DF trinta e uma cidades, nenhuma delas tem prefeitos ou vereadores
eleitos (…) Dentro dessa lógica, deve ser considerado que o estado de
São Paulo ou qualquer outro tem muito mais recursos para publicidade que
o DF. Veja esse exemplo: o estado de São Paulo tem verba de 188 milhões
de reais. A verba da prefeitura de São Paulo gira em torno de 150
milhões de reais.
A da prefeitura de Campinas é da ordem de 80 milhões
de reais e a de Ribeirão Preto é de 60 milhões de reais. Somadas, essas
verbas totalizam 478 milhões para uso em 2014. Como São Paulo tem seis
vezes mais municípios que o DF a verba total de publicidade, seguindo o
exemplo anterior, pode chegar a 1 bilhão de reais”, justifica André
Duda. “Pela lógica de raciocínio [da reportagem], o GDF, na comparação
com outros estados, vai gastar esse ano 15 por cento do valor que São
Paulo vai gastar em publicidade”, argumenta o secretário.
Transparência
Embora
meio confuso, os argumentos do Governo do Distrito Federal – e também o
de São Paulo – são válidos, segundo o professor Humberto Dantas, doutor
em Ciências Políticas e professor do Instituto Insper e da FESP-SP
(Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), que considera
os gastos publicitários dos governos legítimos e previstos em lei.
Entretanto,
Dantas avalia que os governadores de todo o Brasil precisam ter mais
rigor e transparência nos gastos publicitários. Na opinião dele, é
necessário dar mais acesso aos dados para fiscalização do Poder Público e
da sociedade civil.
“O gasto é legítimo. Qualquer empresa tem
uma verba específica para comunicação e marketing. O problema é que essa
verba, antes de chegar para uma rádio ou TV, passa por agências de
propaganda, que eventualmente até abocanham uma parte. Elas decidem onde
e como aplicar o dinheiro. Se fizermos um cruzamento de dados e CNPJ
certamente haveremos de encontrar agências que prestaram serviço para um
determinado candidato que hoje é governo. Isso coloca os gastos no
mínimo em suspeição. É quase como um financiamento público ilegal de
campanha e acontece em quase todos os estados”, adverte Humberto Dantas.
O
professor do Insper também alerta, contudo, que o montante de dinheiro
disponibilizado pelos estados para publicidade poderia ser muito melhor
avialiado e aplicado em Educação, Saúde e Segurança. Ele lembra que as
verbas publicitárias robustas colocam o candidato oficial em situação
privilegiada no pleito eleitoral.
"Infelizmente não há uma lei
que limite o teto de gastos com publicidade ano a ano. Os governadores
estão dentro da lei, mas isso não quer dizer que não possamos questionar
a lei. O que as vezes está dentro da legalidade pode ser imoral",
avalia Dantas.
Coleta de dados
Conforme
já dito anteriormente, todos os dados dos estados foram tirados das
propostas de Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) de todos os estados e do
DF. Os projetos estão disponíveis nos sites dos respectivos governos
estaduais e, em alguns casos, publicados nos diários oficiais locais,
como é o caso do Tocantins, por exemplo.
As propostas de Leis Orçamentárias foram enviadas pelos governadores
às assembleias legislativas de cada estado. Em alguns casos como o do
Rio Grande do Norte, por exemplo, os projetos não encontram-se ainda
disponíveis nos sites e nem foram publicados ainda no Diário Oficial.
Nesses casos, os dados foram solicitados direto aos governos locais.
Em algumas LOAs as rubricas para publicidade não estão fixadas
especificamente, como na Bahia. Mas estão consideradas dentro do que se
chama "Secretaria de Comunicação", responsável por contratar os canais e
emissoras para propaganda.Fonte: Terra Magazine