O
Cardeal dom Odilo Pedro Scherer divulgou neste domigo (14), na página
da Arquidiocese de São Paulo, o artigo intitulado ‘Razões a favor do
aborto’, que também foi publicado um dia antes, no jornal O Estado de S.
Paulo.
No artigo, o cardeal brasileiro destaca argumentos que colocam em discussão o direito à vida.
Entre
as razões para que o aborto seja aprovado, dom Odilo destaca a decisão
da mulher na vida do bebê. Para o cardeal, é bem clara a posição de que
“a liberdade de um não pode prejudicar o direito do outro”.
Dom
Odilo abre o artigo falando sobre a opção do Conselho Federal de
Medicina de ser favorável ao aborto até a 12ª semana de gestação.
Leia na íntegra o artigo:
Razões a favor do aborto
A
recente decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) favorável ao
aborto até a 12ª semana de gravidez, dependendo apenas da vontade
autônoma da mulher, dá-nos a ocasião para tratar mais uma vez desse
tema. Ouso escrever novamente sobre o assunto mesmo porque o silêncio
poderia sugerir falta de argumentos, e isso não é verdade. Por falar
nisso, tratemos de alguns argumentos favoráveis ao aborto.
O
aborto seria aprovável até a 12ª semana de gestação porque o tubo
neural do feto ainda não se formou? Assim, a sua condição equivaleria à
de um morto cerebral? Mas se assim fosse, como justificar os estudos e
práticas de psicologia e de psiquiatria que se ocupam da vida humana
desde uma fase bem anterior a 12 semanas de gestação? A condição de um
morto cerebral nunca pode ser equiparada à de um feto, que está em plena
dinâmica vital.
Na
vida humana, não se pode estabelecer uma fase que já não seja humana
desde o seu primeiro início, na fecundação. Aquilo que aparece na 13ª
semana já existia também desde a primeira semana de gestação: um ser
humano vivo. Embora ainda não esteja completo, ele já existe em sua
identidade humana, que não se inicia somente na 13ª semana de gestação.
Legalizar
o aborto valorizaria a autonomia da mulher e o respeito pela sua
decisão livre? A questão não está bem colocada. A decisão não envolve
exclusivamente a mulher, mas também a vida de mais um ser humano; e a
liberdade de um não pode prejudicar o direito do outro. O feto ou bebê,
enquanto é gerado, não é parte do corpo da mulher, mas já é um outro ser
humano, que tem o direito de viver e de ser amado.
O
aborto implica a supressão da vida de um ser humano e esse ato não pode
ser considerado um direito de ninguém, nem valorizaria a dignidade da
mulher. Sabe-se quantas consequências e quantos sofrimentos, inclusive
psíquicos, esse ato causa à mulher. O sofrimento de uma gravidez
indesejada ou difícil pode ser aliviado e não pode ser equiparado ao
dano causado por um aborto, sobretudo porque se trata de uma vida
suprimida.
Afirma-se
que o Estado brasileiro é laico e não deveria levar em conta argumentos
de tipo religioso. Esse é um sofisma frequente e mal esconde uma
discriminação religiosa contra o direito à livre manifestação dos
cidadãos. Além disso, os direitos humanos independem de religião e valem
para todos, tanto como benefício quanto como imperativo ético. No caso
do aborto, não se trata de questão religiosa, mas do mais elementar
direito humano à vida.
Países
desenvolvidos seriam favoráveis ao aborto e só os obscurantistas,
fundamentalistas e fanáticos seriam contrários à sua aprovação. Será
mesmo? Dar aos adultos e fortes a possibilidade de dispor da vida de
indefesos e inocentes, até ao ponto de suprimi-los, não parece um sinal
de verdadeiro desenvolvimento, mas de retorno à lei da selva.
O
bem da sociedade justificaria a eliminação dos indesejados, dos
defeituosos e doentes, das "vidas inviáveis" antes mesmo de nascerem?
Foi com semelhantes raciocínios, habilmente apresentados, que regimes
totalitários, cruéis e desumanos eliminaram milhões de seres humanos
considerados inferiores ou não dignos de viver.
A
maioria das pessoas seria favorável ao aborto? Isso requer uma
verificação séria, pois não parece verdade. Mesmo se fosse, o direito de
matar pessoas não pode ser submetido à vontade da maioria; há coisas
que independem de consenso por serem verdades ou direitos inalienáveis.
Ninguém pensaria em submeter a uma decisão consensual o direito a
respirar, comer ou dormir. Muito menos ainda, o direito de viver!
A
violência sexual, que viola a "dignidade sexual" da mulher, ou certas
situações de injustiça social, que dão origem à pobreza, legitimariam,
talvez, o aborto? O problema é que, dessa forma, se decretaria de
maneira simplista a pena de morte contra um ser humano inocente e
indefeso, em vez de atingir os verdadeiros culpados por injustiças e
violências.
Fala-se
que há males que vêm para bem. Assim, mesmo admitindo que o aborto seja
um mal, considera-se que dele resultaria um bem, pois se evitariam os
sofrimentos de "vidas inúteis", o fardo social de seres humanos
improdutivos, o aumento da pobreza e a temida explosão demográfica. É
preciso lembrar, contudo, que os fins não justificam os meios. Os males
sociais e os da saúde precisam ser enfrentados, mas jamais mediante a
negação do direito à vida das pessoas.
Diz-se
ainda que os países mais desenvolvidos já liberaram o aborto e a não
legalização dessa prática seria um sinal de atraso. Por certo, o
descontrole na prática do aborto em clínicas especializadas, ou por mãos
inexperientes, é um sinal de atraso e de pouco respeito à vida humana
ou à lei que a protege. A solução seria, então, a legalização do aborto?
Não o seria, antes, mediante uma atenção maior à saúde das gestantes e à
educação para comportamentos sexuais dignos e responsáveis, sem o
recurso à fórmula simplista e inaceitável da supressão de vidas
indefesas e inocentes?
Não
é por demais inglório manifestar-se sobre essa questão antipática,
recebendo o carimbo de "conservador" e "mente fechada"? Dia mais, dia
menos, o aborto será aprovado; existem pressões muito fortes sobre os
legisladores e diversos interesses estão em jogo. Vale mesmo a pena? Eis
o problema. A questão delicada da dignidade humana e do direito à vida é
demasiado séria para ficar refém da pressão ideológica.
Não
é questão religiosa, mas de direitos humanos. Só haveria uma maneira de
mudar essa visão: se fosse provado, de maneira convincente, que o feto
ou o bebê ainda não nascido não é um ser humano. Mas esse é um outro
discurso, longo e complexo. Afirmamos que é um ser humano e, portanto,
seu mais elementar direito, que é viver, não lhe deve ser negado.
Informações: Arquidiocese de São Paulo.