Para o
nordestino, ela é quase que uma companheira. Praticamente da família,
faltando só mesmo fazer aniversário, com direito a bolo (se é que não há
quem o faça!). Mas poucos tem conhecimento que ela é uma tradição
herdada daqueles que primeiro habitaram nossas terras: os índios. Em
tempos idos, de fios torcidos, muitas vezes com travessas que apenas
reforçavam a estrutura, as "inis", como chamavam seus criadores, serviam
como o principal canto de repouso e de outras atividades afins.
"Descoberta",
assim como as terras virgens de Portugal além-Atlântico, "ini" passou a
ser chamada de "rede". O pai da alcunha, Pero Vaz de Caminha, aquele
mesmo da carta que informava a "terra descoberta", deu a luz à cria (ou
apenas mudou o nome no registro do cartório) em uma carta ao rei de
Portugal. A data do nascimento: segunda-feira, 27 de abril de 1500.
Em trecho do
registro de Caminha, assim foram descritas: "em que haveria nove ou dez
casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau
capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de
palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição
alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede
atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam".
Uma das
primeiras tradições de terras brasileiras, entre as inúmeras, as redes
invadiram o reino português. Em mãos diferentes as dos índios, as redes
de dormir ganharam sofisticação. As primeiras, de tecido compacto, foram
feitas pelas portuguesas. Os teares só trouxeram à vida, a
criatividade: maciez, cores, franjas e varandas, ornamentação.
Mas engana-se
quem acredita que a cultura das redes permaneceu apenas deste lado do
Atlântico. Um dos poucos nomes no Brasil a se preocupar em resgatar tal
invasão cultural mundo afora, o potiguar Luís da Câmara Cascudo, tem até
livro com uma pesquisa etnográfica das redes de dormir. Em Roma, as
redes ganharam status de transporte; na França, status de riqueza; nos
navios, serviam como cama para os marinheiros;
No Brasil, a
rede passou de um mero instrumento de descanso, para se tornar garoto
propaganda de turismo, agregando valor de relaxamento ("deitado em uma
rede em baixo de coqueiros à beira da praia"). Mas muito antes ela
também já teve seu papel fúnebre no interior nordestino, como transporte
de defuntos nos cortejos daqueles que menos tinham posses.
Mas é entre as
tecnologias de hoje, com televisões 3D com aplicativos smarts,
conectividades com a internet por meio de redes sem fio (wireless), mp3s
players, blurays, home cinemas, que a rede hoje no Brasil tem duas
finalidades: decoração e leito para dormir.
ADEUS À CAMA -
Rosário Guimarães, médica acupunturista, já deu o adeus à cama há mais
de 20 anos. No quarto, em casa, ela já nem existe mais. A senhora do
espaço agora é a rede, que armada, não muito alto do chão, serve como o
acolhedor repouso para as noites.
A paixão entre a
médica e a rede surgiu ainda na época em que estudava para medicina,
quando vivia em uma república estudantil. "Chegava do curso, e colocava
os livros sobre a cama. No fim do dia estava tão atulhado de coisa na
cama que era muito mais prático armar a rede para dormir", diz ela.
A companheira
de todas as noites, e da hora do repouso após o almoço, sempre esteve
presente. Desde os primeiros contatos, na casa do avó, que por obra do
destino ou mera coincidência, era vendedor de redes de porta em porta,
na Serra da Meruoca, região Norte do Ceará. Vinda do Acre para passar as
férias, as redes eram as únicas dormidas na casa do avó. "Para
enfrentar o frio da serra, muitas vezes ele colocava duas redes pra
gente dormir. Uma armada e outra pra proteger do frio", explica Rosário.
Depois do Acre e
do Ceará, a médica passou por São Paulo. Na conhecida terra da garoa,
Rosário precisou mandar instalar nas paredes da sala do apartamento, os
armadores para a colega rede. "Das várias situações, a mais engraçada
era quando nos balançávamos e o armador fazia aquele barulho típico na
parede. A vizinha muitas vezes batia na parede para que a "barulheira
parasse". "Acho que ela nem sabia o que causava aquele barulho".
Em Fortaleza, a
paixão entre Rosário e a rede só aumentou. Além de não ter mais a cama
no quarto de casa, o Centro de Medicina Chinesa, onde Rosário atende, já
tem um espaço específico para rede. Até ganhar uma rede bordada a mão
por uma das pacientes, com direito a nome gravado, Rosário já ganhou.
DECORAÇÃO -
Muito além de um canto para repousar, a rede também ganhou estética de
decoração. Arquitetos em várias capital do País já a usam como elemento
atrativo ou de composição de varandas, salas, espaços de descanso.
Paulo Mesquita,
arquiteto em Fortaleza há 15 anos, usa as redes como elemento para
agregar valores a espaços. Entre projetos que faz, recebia muitos
pedidos de clientes que queria um espaço na varanda ou dentro de casa
para armar uma rede.
"Foi por meio
desses pedidos que fomos encontrando várias possibilidade para integrar a
rede à decoração dos ambientes", diz Paulo. Para ele o equilíbrio das
cores do ambiente com o tecido da rede e até mesmo o tipo de varanda é o
truque principal para a harmonia do ambiente.
E muitas vezes
não sai barato. Um dos pontos que o arquiteto indica para procurar as
redes em Fortaleza são o Mercado Central e algumas lojas no entorno do
equipamento. E para quem se interessar, o preço pode, as vezes, amargar o
sonho. As rede mais simples custam R$ 25 porém as mais trabalhadas,
podem sair por até R$ 300.
*Do NE10/Ceará