Ao
menos 8 meses antes da Polícia Federal (PF) e Controladoria-Geral da União
(CGU) fazerem uma operação conjunta para aprofundar as investigações
de um esquema de descontos não autorizados em benefícios pagos pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (Inss), a Auditoria-Geral da autarquia já tinha
identificado inconsistências e irregularidades em parte dos acordos assinados
com organizações da sociedade civil.

O
Acordo de Cooperação Técnica (ACT) é o instrumento legal com que o INSS
autoriza o desconto das mensalidades associativas diretamente dos benefícios
previdenciários e o repasse integral dos valores a associações, confederações
ou entidades representativas de aposentados e pensionistas que concordem com a
cobrança.
“Exames
permitiram identificar que os procedimentos de formalização e operacionalização
dos ACTs firmados pelo INSS para permitir o desconto de mensalidade associativa
em benefícios previdenciários não atenderam integralmente os requisitos”,
afirma o relatório de uma inspeção que a Auditoria-Geral fez na Diretoria de
Benefícios e Relacionamentos com o Cidadão.
A
auditoria foi feita a pedido do então presidente da autarquia, Alessandro
Stefanutto, no início de maio de 2024, ou seja, quase 1 ano antes da PF e da
CGU fazerem a operação que levou o governo federal a suspender todos os ACT e,
consequentemente, os descontos automáticos, mesmo que autorizados pelos aposentados
e pensionistas.
A
Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão é uma das áreas do INSS
alvo da Operação Sem Desconto. Diante das suspeitas, Stefanutto e o então
responsável pela diretoria, Vanderlei Barbosa dos Santos, que estava no cargo
desde julho do ano passado, além de outros três dirigentes da autarquia, foram
afastados de suas funções. Stefanutto foi exonerado do cargo.
Cancelamentos
O
INSS ainda não sabe quantos aposentados e pensionistas foram prejudicados, nem
o montante cobrado irregularmente. Mas só entre janeiro de 2023 e maio de 2024,
o instituto recebeu mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento de
cobranças. A maioria, com a justificativa de que não tinham sido autorizados
pelos beneficiários ou por seus representantes legais.
“Do
total de 1.163.455 tarefas [pedidos] de exclusão de descontos, 73.848
referem-se a descontos autorizados; 33.317 sem informação no tocante à
autorização e 1.056.290, o que corresponde a aproximadamente 90,78% [do total],
apresentaram indicação de não autorização dos descontos associativos”, aponta o
relatório, destacando que a maioria dos beneficiários alegava desconhecer as
entidades para as quais os valores estavam sendo transferidos.
Do
total de pedidos de exclusão de descontos, a Auditoria-Geral selecionou,
aleatoriamente, 603 requerimentos para checar se as entidades tinham cópia dos
documentos que comprovassem que os aposentados e pensionistas autorizaram o
débito em folha.
“Em
329 dos 603 casos da amostra, não houve apresentação dos documentos necessários
à comprovação das regularidades dos descontos. E dos 274 casos em que houve
apresentação de documentos, insta salientar que a aparente regularidade formal
do processo não implica, necessariamente, na comprovação da real intenção do
segurado em autorizar o desconto em seu benefício, conforme comprova a
expressiva quantidade de requerimentos com manifestação de repúdio para
exclusão de mensalidade apresentado ao INSS”, destaca o relatório.
Cooperação
O
desconto das mensalidades associativas em favor de entidades autorizadas pelo
INSS é possível desde 1991, quando entrou em vigor a Lei dos
Benefícios da Previdência Social. Os valores movimentados por meio
do sistema de cooperação entre o INSS e as organizações da sociedade civil
cresceram ano após ano.
Em
2016, R$ 413 milhões foram descontados dos benefícios previdenciários para
pagamento de mensalidades associativas. Em 2017, R$ 460 milhões. Em 2018, R$
617 milhões. Em 2019, R$ 604 milhões. Em 2020, em meio à pandemia da covid-19,
o valor caiu para R$ 510 milhões. Em 2021, o total voltou a subir, atingindo R$
536 milhões. Em 2022, foram R$ 706 milhões. Em 2023, R$ 1,2 bilhão. E, no ano
passado, R$ 2,8 bilhões.
Considerando
os mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento de cobranças que o instituto
recebeu entre janeiro de 2023 e maio de 2024, os auditores calcularam que, no
período, o desconto médio foi de cerca de R$ 39,74, cifra que, em alguns casos,
pode ser muito maior, já que os valores descontados variam conforme o
percentual estabelecido em cada um dos ACT.
“As
irregularidades apontadas pelos beneficiários em relação aos ACT indicam que a
conveniência e o interesse público na manutenção das parcerias não foram
asseguradas sob a perspectiva de custos e de impacto no atendimento ao cidadão
pelo INSS”, aponta o relatório, concluindo que os descontos não autorizados impactaram também a fila do INSS, já que os pedidos para
cancelamento das cobranças aumentou o volume de trabalho dos servidores do
instituto.
O relatório, divulgado na segunda-feira (28), faz nove
recomendações, principalmente à Diretoria de Benefícios e Relacionamentos com o
Cidadão. Entre elas, a reavaliação do processo de implantação dos descontos
associativos; a verificação das autorizações de cobranças e a análise da
conveniência de não permitir novos descontos até que todo o processo fosse
revisto, o que não foi feito.
Nesta
segunda-feira (28), durante a reunião do Conselho Nacional da Previdência
Social, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, informou que a pasta e o
INSS iniciaram “a verificação das denúncias em junho de 2023”. Segundo Lupi, em
março de 2024, antes mesmo da conclusão da auditoria na Diretoria de
Benefícios, o ministério e o INSS instituíram novas regras para o desconto das
mensalidades associativas, chegando a suspender novas operações.
“Em
nenhum momento me omiti. Muito pelo contrário, agimos para tentar conter as
fraudes”, declarou Lupi.
Agência Brasil