Pesquisadores
brasileiros estimam que em breve o país poderá ter seus primeiros pacientes
submetidos a um transplante de órgão suíno. Previsões otimistas acreditam que
isso já possa ocorrer a partir de 2025, dando esperanças para quem necessita de
um novo órgão.
O
governo de São Paulo anunciou em março um investimento de R$ 50 milhões para o
desenvolvimento de pesquisas sobre xenotransplantes, em uma parceria entre o
IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e a startup XenoBrasil.
Por
meio desse investimento, será construída a estrutura do projeto, no campus da
USP, em São Paulo. Será um espaço de 1.650 metros quadrados, divididos em três
pavimentos. No térreo haverá uma pig facility, um biotério onde serão criados
os porcos que vão fornecer os órgãos. A estimativa é que essa pig facility
esteja pronta no final de 2023.
“Uma
vez que esteja pronta a pig facility, acredito que em um ano talvez seja
suficiente para fazer os primeiros transplantes”, diz a geneticista Mayana
Zatz, uma das responsáveis pela iniciativa.
Segundo
o professor Silvano Raia, coordenador do projeto, a USP aprovou a concessão dos
recursos necessários para a construção de uma pig facility provisória por
biomódulos com previsão de entrega em 180 dias. Nela serão realizadas as
experiências pré-clínicas, permitindo que, daqui a dois anos, se inicie na pig
facility definitiva a criação de suínos e sua aplicação clínica.
Raia
realizou o primeiro transplante de fígado no Brasil e o primeiro transplante
intervivos no mundo, ambos na década de 1980.
A
estrutura também será usada futuramente para outros projetos envolvendo humanos
e animais. “Essa linha de pesquisa de xenotransplante vai fazer parte da
primeira linha de pesquisa de um núcleo de tecnologias avançadas de saúde que o
IPT está implantando aqui no campus”, diz Helena Araújo, coordenadora do
instituto.
Suínos
Os
suínos foram escolhidos por terem órgãos semelhantes ao do ser humano. Segundo
Mayana Zatz, algumas novas tecnologias estão permitindo modificar os genes
suínos, por isso eles podem ser doadores de órgãos.
“Se
a gente transplanta o órgão de um suíno para um ser humano, ocorre uma rejeição
aguda. Com a tecnologia, foi possível silenciar três genes principais dos
suínos que são responsáveis por essa rejeição aguda. Esses genes foram
silenciados, não existem mais nos embriões que criamos.”
Assim,
de acordo com os pesquisadores, pode-se dizer que os porcos que vão nascer a
partir desses embriões com genes silenciados terão o órgão mais próximo do
humano, podendo ser doador sem que haja rejeição aguda.
A
outra vantagem dos suínos é que o período de gestação é curto, de quatro meses,
e a ninhada tem de 12 a 14 filhotes de cada vez. Mas, para isso, é preciso
investir em uma raça de porco diferente da habitual que existe no Brasil. “Os
nossos suínos chegam a 400 quilos, são grandes. Um coração desse animal não
caberia na cavidade torácica de um ser humano. Os animais da Nova Zelândia não
passam de 130 quilos, tem um tamanho mais compatível comparado com o corpo
humano”, explica Mayana.
Respeito
à fila
De
acordo com Silvano Raia, o xenotransplante busca reduzir ou mesmo evitar as
listas de espera nas quais muitos inscritos morrem antes de serem
transplantados.
“Em
2019, segundo a ABTO [Associação Brasileira de Transplante de Órgãos], no
Brasil, 1.780 morreram aguardando por um transplante”, diz o médico. “Apenas
para a manutenção em hemodiálise dos inscritos para transplante de rim, o SUS
gasta cerca de R$ 2 bi por ano.”
O
médico também diz que as listas de espera por transplante de órgãos serão
respeitadas. “Não é aquele que paga mais que é transplantado. As listas únicas
para transplantes são sérias no Brasil. Quando tivermos os órgãos adicionais,
esses também serão distribuídos segundo a lista única. Por isso que se
justifica o investimento estatal.”
Para
Paulo Pêgo Fernandes, membro da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos,
o xenotransplante deverá abrir “uma grande perspectiva para as pessoas que
precisam de um órgão”. Ele também destaca a participação do SUS no programa de
transplante de órgãos.
“Cerca
de 95% dos transplantes no Brasil são feitos pelo SUS. Isso é uma riqueza, pois
permite uma equidade social que você não vê em outros países.”
Rim
O
Brasil vai começar o processo de transplantes de órgãos suínos com o rim.
Segundo a geneticista Mayana Zatz, não será necessário retirar o rim humano.
Assim, caso haja alguma intercorrência, o rim pode ser “religado” e o paciente
voltar à hemodiálise.
Depois
dos rins, outros órgãos de suínos deverão entrar aos poucos na lista de
transplantes, como coração e fígado, conforme o andamento dos estudos dos
imunossupressores, os medicamentos que evitam a rejeição.
“Os
imunossupressores andam em paralelo com o xenotransplante. Sempre vai haver uma
rejeição do órgão, pois não existe um órgão 100% compatível”, diz Pêgo
Fernandes.
Alemanha
e Estados Unidos também já trabalham com o uso de órgãos de suínos para
transplante. No dia 7 de janeiro deste ano, o norte-americano David Bennett, de
57, recebeu um coração de porco. Segundo a Universidade de Maryland, que
realizou o procedimento, o novo coração funcionou bem nas semanas seguintes,
sem rejeição. Porém, Bennett morreu no dia 8 de março, dois meses após o
transplante.
“Ele
[o paciente] estava em um estado lamentável quando foi feito o transplante,
estava há dois meses ligado a um aparelho. Para ter um paralelo, o primeiro
paciente que recebeu um transplante de coração humano na África do Sul, em
1967, viveu só 18 dias”, diz Mayana.
O Tempo