A Defensoria Pública da União (DPU) recorreu à Justiça
Federal para tentar adiar a realização das provas do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), agendadas pelo Ministério da Educação (MEC) para começar no
próximo dia 17.
Entidades científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), além de
organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira
dos Estudantes Secundaristas (Ubes) também defendem o adiamento do exame.
Em comum, as iniciativas favoráveis à suspensão temporária sustentam que as
aglomerações nos locais de prova favorecerão a disseminação do novo coronavírus
e o aumento do número de casos da covid-19 em um momento em que a incidência da
doença está aumentando em quase todo o país.
No novo pedido de tutela de urgência que ajuizou ontem (8), no Tribunal
Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), o defensor público federal João Paulo
Dorini afirma que não há, até o momento, “clareza sobre as providências
adotadas para evitar a contaminação dos participantes da prova, estudantes e
funcionários que a aplicarão” em todo o Brasil.
Dorini lembra que a ação civil pública que corre no TRF-3 foi protocolada pela
DPU e pelo Ministério Público Federal (MPF) em abril de 2020, poucas semanas
após o MEC divulgar o edital do Enem. E que, já naquela ocasião, defensores e
procuradores pediam que todo o cronograma do exame fosse ajustado “à nova
realidade trazida pela pandemia”, principalmente quanto aos prejuízos que os alunos
da rede pública de ensino sofreram devido às dificuldades de cumprir o programa
de ensino.
“Em abril, não se sabia se as provas poderiam ser realizadas em janeiro
seguinte, seja por não se saber que o conteúdo programático do ano letivo teria
sido cumprido (o que não foi, quando muito, apenas formalmente), seja por não
se saber como estaria a transmissão do vírus e os riscos sanitários
envolvidos”, afirma Dorini, argumentando que, até o momento, “não houve uma
solução judicial a contento para viabilizar a realização de um exame que não
reproduza as deficiências pedagógicas nas redes estaduais de ensino durante a
pandemia e que possa ser realizado de maneira segura”.
“Não há maneira segura para a realização de um exame com quase seis milhões de
estudantes neste momento, durante o novo pico de casos da covid-19”, acrescenta
o defensor. “Qual será o impacto de mais um aumento exponencial de
contaminações em decorrência [da realização do] Enem, que não se restringirá
apenas a estudantes e funcionários, mas também a seus familiares e pessoas de
suas convivências, em um sistema de saúde já colapsado em muitas cidades”,
questiona Dorini ao pedir que a Justiça Federal aprecie a questão com urgência
e determine o adiamento das provas.
Medidas de prevenção
Em redes sociais, o Ministério da Educação afirmou que tem sido “diligente”
[cuidadoso] na aplicação dos recursos públicos para garantir a segurança dos
candidatos do Enem, bem do do Revalida e do Encceja. Em nota divulgada em seu
site, o ministério afirma que o Inep destinou R$ 64 milhões apenas para as
medidas de prevenção contra a covid-19 na aplicação do Enem (aquisição de
equipamentos de proteção individual, álcool em gel e mais locais para aplicação
de provas) e detalhou as principais ações que o instituto vem adotando.
“Foram estabelecidas regras específicas para reduzir aglomerações nos locais de
prova, durante a aplicação”, destaca a pasta, explicando que tais normas foram
definidos em conjunto com as empresas contratadas para aplicar o exame, com base
nas principais diretrizes do Ministério da Saúde e “de outros órgãos e
entidades de referência”.
Segundo o Ministério, os referidos procedimentos estão detalhados em dois
editais, o nº 54 e o nº 55. Entre outras coisas, os editais estabelecem a
proibição da entrada e permanência nos locais de prova de qualquer pessoa sem
máscara de proteção que cubra totalmente o nariz e a boca (e que, segundo o
MEC, “serão verificadas pelos fiscais para evitar possíveis infrações”. Só será
permitida a retirada momentânea da máscara para alimentação ou ingestão de
líquidos.
Os editais também estabelecem que, antes do início das provas, o aplicador
deverá fornecer álcool aos candidatos que, antes de entrar na sala de provas,
terão que higienizar as mãos. O MEC garante que as salas serão higienizadas
antes da aplicação do exame e organizadas de forma a garantir um distanciamento
social adequado e “o máximo de ventilação natural” possível.
Pessoas que informaram que fazem parte de algum grupo de risco (idosos,
gestantes e pessoas com doenças respiratórias ou que afetam a imunidade)
deverão receber tratamento diferenciado, ocupando salas com ocupação de até 25%
da capacidade máxima. Segundo o ministério, estes participantes já foram
previamente identificados no momento da inscrição. Além disso, gestantes,
lactantes, idosos e pessoas com condições médicas preexistentes (cardiopatias,
doenças pulmonares crônicas, diabetes, obesidade mórbida, hipertensão, doenças
imunossupressoras e oncológicas) ocuparão salas com, no máximo, 12 pessoas.
Quem no dia da prova apresentar sintomas de qualquer doença infectocontagiosa
não deverá comparecer ao local do exame, mas deverá comunicar sua condição
previamente, por meio da Página do Participante. As doenças para as quais os
editais do Inep preveem a possibilidade de reaplicação dos testes são:
coqueluche, difteria, doença invasiva por Haemophilus influenza, doença
meningocócica e outras meningites, varíola, Influenza humana A e B,
poliomielite por poliovírus selvagem, sarampo, rubéola, varicela e covid-19.
“Com todas as medidas de prevenção e os cuidados adotados pelo Ministério da
Educação (MEC) e pelo Inep para a realização do Enem 2020, somados à
compreensão e à colaboração de todos os participantes, temos a confiança e a
certeza de que realizaremos o exame com segurança para todos os envolvidos”,
afirma o ministério, alegando que a aplicação das provas “é fundamental para
garantir o acesso dos estudantes ao ensino superior em 2021”.
Repercussão
Também ontem, 50 entidades científicas dos campos da Educação e da Saúde
divulgaram uma nota conjunta em que apontam a “necessidade urgente” de que a
realização das provas do Enem sejam adiadas “para outro momento no qual os
índices de transmissão e a capacidade de resposta dos serviços de saúde estejam
dentro de níveis aceitáveis”. Entre as organizações signatárias estão a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); a Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); a Associação de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (Anped); a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
“As propostas apresentadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) como medidas de segurança para evitar a
infecção pela covid-19 não são suficientes para garantir a segurança da
população brasileira, num momento de visível agravamento da pandemia no país”,
sustentam as entidades na nota. “Este exame existe para incidir na redução das
desigualdades do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar
desigualdades ou, o que é inaceitável, se tornar espaço vetor de uma pandemia
já fora de controle por incúria governamental”.
Em outra frente contra a aplicação das provas presenciais a partir do dia 17, a
União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (Ubes) acionaram o Ministério Público Federal (MPF) com uma
representação judicial para que o órgão tente obter o adiamento do exame na
Justiça.
“Entramos com uma ação no Ministério Público Federal pedindo esclarecimentos
sobre o Enem 2020; posicionamento a respeito de uma nova data e transparência
sobre as medidas de segurança para a realização da prova”, informaram as
entidades, ontem, em suas redes sociais. “Desde março de 2020 estamos tentando
dialogar com o governo federal e com as demais autoridades sobre possíveis
soluções para a realização do Enem, no entanto, as providências adotadas pelo
Ministério da Educação e pelo Inep têm se mostrado insuficientes”, acrescentam.
Agência Brasil