O Supremo Tribunal Federal (STF) vai começar a julgar neste
mês os processos sobre vacina no Brasil e uma solução está sendo negociada
entre os ministros. É forte a corrente dentro da Corte que quer obrigar o poder
público a fornecer imunizantes, desde que registrados na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas um ministro revelou ao GLOBO, em caráter
reservado, que quer apresentar um voto criando uma exceção, para autorizar a
aplicação de vacinas mesmo sem o selo da agência.
O voto, segundo o ministro, é semelhante à decisão tomada pelo
tribunal em maio de 2019 sobre a obrigatoriedade de fornecimento de remédios
pelo poder público. Na época, ficou acertado que a regra era o poder público
fornecer medicamentos registrados na Anvisa. Foram vedados os remédios
experimentais que ainda não tinham passados em testes. Mas foram permitidas
algumas exceções.
Um exemplo é de medicamento já com pedido de registro na
agência e que ela esteja demorando mais tempo do que o previsto em lei para
concluir a análise. O prazo nesses casos é de 120 a 365 dias. Nos casos de
demora da Anvisa, o medicamento só poderia ser liberado se tivesse registro em
agências de regulação no exterior. A sugestão do ministro ouvido pelo GLOBO é
que o mesmo seja aplicado em relação a vacinas.
A Lei 13.979, editada em fevereiro, determina que as
autoridades poderão tomar uma série de medidas para enfrentar a pandemia da
Covid-19 – entre elas, a vacinação. Em maio, foi editada alteração nesta norma
para incluir prazo de 72 horas para a Anvisa se manifestar sobre a importação e
distribuição de “quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da
área de saúde registrados por autoridade sanitária estrangeira e autorizados à
distribuição comercial em seus respectivos países”. Caso não haja essa
manifestação da agência brasileira, a autorização temporária é concedida
automaticamente.
A lei não fala literalmente em vacina, mas essa interpretação
pode ser dada pelo STF. Há ainda na própria norma algumas condições para que o
uso ocorra sem aval da Anvisa: é preciso que o produto seja registrado em um de
quatro agências reguladoras estrangeiras listadas na própria lei e que tenha
comercialização liberada no respectivo país. Essa possibilidade de utilização
sem registro do órgão brasileiro tem validade até o fim deste ano, quando
termina o estado de calamidade definido pelo governo. Mas a Câmara prepara um
projeto para estender a validade das regras.
O presidente do STF, Luiz Fux, agendou para o próximo dia 17 o
julgamento de ações que discutem se o governo federal deve apresentar um plano
de vacinação contra a Covid-19. O julgamento começou no plenário virtual, um
sistema eletrônico em que os ministros não se encontram, apenas postam seus
votos por escrito. Fux interrompeu a votação com um pedido de destaque e
transferiu a discussão para o plenário físico – que, durante a pandemia, se
reúne por videoconferência.
O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, deu em
seu voto prazo de 30 dias para que o governo federal apresente um plano
detalhado com estratégias e ações para ofertar a oferta de vacinas contra o
coronavírus. Dias depois, o governo apresentou uma estratégia preliminar para
imunizar a população. A expectativa é atingir 109,5 milhões de pessoas, em um
plano dividido em quatro fases.
Ações de partidos
Serão julgadas em plenário duas ações. Uma delas, de autoria
dos partidos PSOL, Cidadania, PT, PSB e PCdoB, pede que o governo seja obrigado
a apresentar, em até 30 dias, os programas relativos à vacina e aos
medicamentos contra a Covid-19.
A outra, do Rede Sustentabilidade, questiona o ato do
presidente Jair Bolsonaro que desautorizou o ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello. Em outubro, Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da
vacina Coronavac, desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan em parceria
com a farmacêutica chinesa Sinovac. No dia seguinte ao anúncio, Bolsonaro
publicou em uma rede social: “Não compraremos a vacina da China”. O ministro da
Saúde comentou em seguida: “É simples assim: um manda e o outro obedece”.
Outros dois processos serão julgados no plenário virtual a
partir do próximo dia 11. Será decidido se autoridades podem obrigar a
população a se vacinar contra a doença. As votações terão duração de uma
semana. Fux já disse a interlocutores que é uma prioridade da gestão dele
concluir esses julgamentos ainda neste ano.
No início da semana, o governador do Maranhão, Flavio Dino,
entrou com uma ação no STF pedindo que o estado seja autorizado a elaborar e
executar um plano de imunização contra a Covid-19, com a ajuda financeira da
União para a compra das vacinas. O governo local quer comprar a vacina
diretamente dos fabricantes, mesmo que os insumos não tenham ainda registro na
Anvisa. Essa ação ainda não está pautada para julgamento.
O Globo