O governo Jair Bolsonaro (PSL) tem projeto de lei pronto visando
proibir um instrumento de negociação comercial que, segundo críticos, garante o
domínio da Rede Globo no mercado publicitário de TV aberta no Brasil.
O texto foi
escrito sob inspiração de integrantes de agências de publicidade e executivos
de concorrentes da Globo e será apresentado pelo deputado eleito Alexandre Frota (PSL-SP) quando o novo Congresso
assumir em fevereiro.
“O projeto foi
entregue a mim e a uma equipe de profissionais com autorização do Jair. Vou
apresentar ao presidente e me reunirei com SBT, RedeTV!, TV Record e talvez a
Band”, disse Frota.
Nesta segunda
(7), enquanto reiterava críticas à distribuição de verbas oficiais do
governo a veículos de mídia, Bolsonaro sinalizou sua intenção.
“Vamos buscar
junto ao Parlamento brasileiro a questão do BV. Isso tem de deixar de existir.
Eu aprendi há pouco o que é isso e fiquei surpreso e até mesmo assustado”,
disse ao discursar em cerimônia de posse dos novos presidentes dos bancos
públicos.
O BV em questão,
alvo do novo projeto, é a sigla de Bonificação por Volume. O mecanismo foi
introduzido pela Globo nos anos 1960 para, segundo a emissora, estimular o
mercado publicitário e chamado de “câncer” por um de seus maiores adversários,
o vice-presidente e sócio da RedeTV! Marcelo de Carvalho.
O funcionamento
do BV é simples. Um anunciante contrata uma agência de publicidade para
promover um produto. Os veículos de comunicação pagam uma comissão para as
agências, o BV, para que elas os escolham como destinatários da verba.
Para os
críticos, isso cria um ciclo vicioso em que o meio mais rico do Brasil, a TV
aberta, mantém seu domínio sobre o bolo publicitário alimentado as agências com
BVs.
Grandes
contratos costumam ter um BV variando de 10% a 20% de seu valor.
O mecanismo
levou agências grandes a reduzir ou mesmo deixar de cobrar as comissões
regulares –que podem chegar a 20%, mas em média são de 5% por negócio.
“O BV está sendo
tratado como um mito. É uma prática normal, feita por todos, para a qual se dá
uma importância absurda. Queremos abrirmos um canal de comunicação com o novo
governo para ensinar como é o dia a dia do mercado. Somos liberais”, afirmou o
presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), Mário D’
Andrea.
O BV foi
regulamentado em 2010. Ela deu parâmetros a uma lei de 1965 e complementa outra
de 2002. O BV existe em todos os meios e é usado por quase todos os veículos
para atrair anunciantes.
Marcelo de
Carvalho lembra que a lei de 2010 dizia respeito apenas à publicidade oficial.
“O mercado tomou emprestado o texto legal, fingindo que lhe dizia respeito”,
afirmou ele, que já se aproximara de Bolsonaro no ano passado.
D’ Andrea
pondera que o texto “dá outras providências que tratam de matérias não
públicas”. “Na prática, também regulamenta atividade como um todo”, afirmou.
Bolsonaro
já prometeu cortar verba da Secretaria de Comunicação
de veículos que considera parciais contra ele, como a Folha e a Rede Globo. Usa sua
conta no Twitter para acusar a imprensa de criar “fake news”, à moda de seu
ídolo americano, Donald Trump.
No caso da
emissora, afirma que ela concentra verbas não tendo mais tanta audiência. Em
2017 e 2018, a emissora ficou com cerca de 50% do bolo publicitário estatal,
tendo cerca de 36% do mercado.
A diferença
agora é que ele quer mexer com uma instância privada —a regra da Secom sobre
publicidade é clara a respeito de critérios técnicos para uso de verba, embora
possa ser revogada.
Sua fala sobre o
BV veio após dois expoentes da Globo, os apresentadores Luciano Huck e Fausto Silva, serem associados a críticas a
seu governo.
No primeiro
caso, Huck ironizou a polêmica do “menino veste azul, menina veste rosa”,
levantada pela ministra Damares Alves. Depois, desejou sucesso ao presidente.
No segundo,
Faustão falou em seu programa no domingo (6) sobre “um idiota” e “imbecil” no
poder, mas disse depois tratar-se de uma generalização sobre políticos.
No cerne da
disputa está o predomínio da Globo no mercado publicitário da TV aberta, que
responde por quase 70% do gasto brasileiro com propaganda. Procurada, a
emissora afirmou que sua posição sobre o assunto é a mesma da Abap.
Os números desse
setor são sigilosos. A Folha ouviu um
especialista no tema, que estima um faturamento publicitário na casa dos R$ 12
bilhões em 2018 para a Globo.
Segundo Carvalho
e Frota, isso dá 90% do mercado de publicidade em TV aberta, mas o dado não é
aferível.
Segundo balanço
do instituto Kantar Ibope, a Globo teve no ano passado 35,9% do “share” (a
audiência medida em TVs ligadas).
Já a Record, com
13,9% de “share”, recebeu R$ 1,5 bilhão nas contas desse agente de mercado. O
SBT, com 15%, teria na estimativa R$ 1 bilhão. A Band, com 3,2% de share,
ganhou R$ 400 milhões e a RedeTV!, cerca de 1% de share e R$ 250 milhões,
sempre segundo essas projeções.
A discussão tem
nuances. Audiência não é parâmetro único: há público-alvo a ser definido por
ferramentas de mídia que hoje são a segunda maior despesa das agências depois
de salários.
A
autorregulamentação do setor é considerada eficaz, o que coibiria distorções.
Na sexta (4),
Bolsonaro celebrou ter divulgado a nova logomarca do governo via internet, o
que teria economizado R$ 1,4 milhão. Sempre comemora seu número de seguidores
nas redes –nesta segunda, postou ter 10 milhões no Facebook.
FOLHAPRESS