O juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato,
acredita que falta interesse da classe política brasileira em combater a
corrupção. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o magistrado
também rebateu as críticas sobre ter fixado benefícios para réus que
ainda estão negociando delação premiada.
“Lamentavelmente, eu vejo uma ausência de um discurso mais vigoroso
por parte das autoridades políticas brasileiras em relação ao problema
da corrupção. Fica a impressão de que essa é uma tarefa única e
exclusiva de policiais, procuradores e juízes”, afirmou Moro.
Moro também defendeu o levantamento do sigilo da interceptação
telefônica da conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
a então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Segundo ele, “as pessoas
tinham direito de saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos”.
O responsável pela sentença do ex-presidente Luiz Inácio da Lula
Silva também quis esclarecer a questão de haver ou não provas que
incriminassem o petista:
“Sobre a sentença do ex-presidente,
tudo o que eu queria dizer já está na sentença, e não vou fazer
comentários. Teoricamente, uma classificação do processo penal é a da
prova direta e da prova indireta, que é a tal da prova indiciária. Para
ficar num exemplo clássico: uma testemunha que viu um homicídio. É uma
prova direta.Uma prova indireta é alguém que não viu o homicídio, mas
viu alguém deixando o local do crime com uma arma fumegando. Ele não
presenciou o fato, mas viu algo do qual se infere que a pessoa é
culpada. Quando o juiz decide, avalia as provas diretas e as indiretas.
Não é nada extraordinário em relação ao que acontece no cotidiano das
varas criminais”.
Questionado sobre as críticas do ministro Gilmar Mendes à Lava Jato
(o ministro disse que a operação criou um “direito penal de Curitiba”,
com “normas que não têm a ver com a lei”), Moro afirmou que não faria
réplica ao discurso de Mendes. “Não seria apropriado. Juízes têm
entendimentos diferentes. Não obstante, nos casos aqui julgados, não há
direito extraordinário. Na Lava Jato, para a interrupção do ciclo de
crimes, era necessário tomar algumas medidas drásticas –entre elas, por
exemplo, as prisões antes do julgamento. E as decisões têm sido, como
regra, mantidas”, justificou Moro.
Ao responder sobre o que pode representar uma ameaça à Lava Jato, o
juiz federal considera que há uma “ausência de um discurso mais vigoroso
por parte das autoridades políticas brasileiras em relação ao problema
da corrupção”.
“Fica a impressão de que essa é uma
tarefa única e exclusivamente de policiais, procuradores e juízes. No
Brasil, estamos mais preocupados em não retroceder, em evitar medidas
legislativas que obstruam as apurações das responsabilidades, do que
propriamente em proposições legislativas que diminuam a oportunidade de
corrupção. Vejo no mundo político uma grande inércia”, afirma.
ESCUTAS LULA E DILMA
A Folha questiona Moro sobre as escutas que envolveram os
ex-presidentes Lula e Dilma. “O sr. escreveu que o conteúdo revelava
tentativas de obstruir investigações. É possível entender que a medida
de tornar público esse conteúdo tinha como objetivo proteger a Lava
Jato?”.
A reposta de Moro diz que a decisão sobre o levamento do sigilo foi
pensando no direito das pessoas em saber a respeito do conteúdo.
“A escolha adotada desde o início desse
processo era tornar tudo público, desde que isso não fosse prejudicial
às investigações. O que aconteceu nesse caso [dos grampos de Dilma e
Lula] não foi nada diferente dos demais. As pessoas tinham direito de
saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos. E por isso que foi
tomada a decisão do levantamento do sigilo.Um efeito indireto ao dar
publicidade para esses casos foi proteger as investigações contra
interferências indevidas. Afinal de contas, são processos que envolvem
pessoas poderosas, política e economicamente. Na prática, pode haver
tentativas. Então, tornar tudo público também acaba funcionando como uma
espécie de proteção contra qualquer obstrução à Justiça. E isso é muito
importante. Foi seguida a Constituição. Dentro de uma democracia
liberal como a nossa, é obrigatório que essas coisas sejam trazidas à
luz do dia”.
O CRIME COMPENSA?
Moro também foi questionado se o crime no Brasil compensaria, pois,
na Lava Jato há mais de 150 acordos de delação premiada e muitos dos
colaboradores ficarão presos por dois anos. Logo parte deles vai voltar
às ruas.
“A colaboração de criminosos vem com um
preço: ele não colabora senão pela obtenção de benefícios. Isso faz
parte da natureza da colaboração. Muita gente não tem acordo nenhum,
continua respondendo aos processos, alguns foram condenados, estão
presos. Essas pessoas também vão sair da prisão um dia. Faz parte do
sistema. O que acho que tem que ser comparado é que, no passado, como
regra, o que havia era a impunidade. As pessoas nem sequer sofriam as
consequências de seus crimes. Em muitos casos, nem sequer eram
descobertas. A sensação de impunidade era ainda maior”, respondeu o
juiz.
Fonte: Notícias ao Minuto