Com
uma inflamação nos joelhos, a lavradora Maria Nascimento da Silva, 72,
não consegue mais carregar latas e galões de água na cabeça, como fez
por toda a vida.
Depois
de ver os filhos se mudarem para cidades como Salvador e Candeias, na
região metropolitana da capital baiana, hoje mora só com uma neta de
nove anos na zona rural de Santa Bárbara, porta de entrada do sertão da
Bahia.
Numa
sexta-feira de clima abafado, ela foi uma das moradoras que seguiam em
romaria à prefeitura para fazer o mesmo pedido: que o carro-pipa do
Exército, recém-chegado, visitasse a sua casa e abastecesse a cisterna.
Assim
como Santa Bárbara, uma em cada duas cidades do Nordeste está em estado
de emergência por causa da seca, que chega ao seu quinto ano
consecutivo na região.
Dados
do Monitor de Secas do Nordeste do Brasil, elaborado pela Funceme
(Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos), mostra que a
estiagem chegou em setembro ao estágio mais severo dos últimos 12 meses.
"O
único registro de cinco anos seguidos de seca nos últimos 100 anos foi
entre 1979 e 1983. Mesmo assim, a atual já é pior, pois tivemos menos
chuva", afirma Raul Fritz, meteorologista da Funceme.
Quase
100% do território nordestino enfrenta um cenário de seca, mesmo nas
faixas litorâneas, com impactos como perda das lavouras, morte dos
rebanhos e esvaziamento dos reservatórios de água.
Maior
reservatório do Nordeste, Sobradinho –que fica no rio São Francisco–
está com 7,1% de sua capacidade e pode chegar ao volume morto até o
final deste ano. No Ceará, o Castanhão, reservatório que abastece
Fortaleza, chegou a 5% da capacidade.
Barragens
de pequeno e médio porte também secaram. O resultado são 280 cidades de
seis Estados enfrentando racionamento ou em colapso no abastecimento.
O
cenário mais grave é o da Paraíba, onde 118 cidades estão com problemas
no abastecimento. Destas, 30 cidades estão em colapso e dependem de
poços ou carros-pipa.
O
Ministério da Integração Nacional atualmente atende a 824 municípios em
área de seca com carros-pipa, ao custo de R$ 86,8 milhões por mês.
DUAS HORAS DE CHUVA
Em
Santa Bárbara, na Bahia, em estado de emergência desde junho, a
operação com carros-pipa começou dias atrás. Um único caminhão, com
capacidade de transportar 16 mil litros de água, faz entre quatro e
cinco viagens por dia para fazer o abastecimento com água potável.
Nos
últimos meses, uma única chuva atingiu a cidade, no início de outubro.
Durou duas horas, mas só em parte do território da zona rural.
Os agricultores, que produzem principalmente milho e feijão, perderam 90% da safra, segundo a prefeitura.
Agricultor
em um dos distritos mais pobres da cidade, Jovenito José dos Reis, 57,
gastou cerca de R$ 2.000 para plantar feijão em uma área equivalente a
dois campos de futebol. Mas a maioria das plantas morreu e ele não
conseguiu colher nem sequer uma saca de 60 quilos.
"Foi
perda total mesmo, não rendeu nada", diz Jovenito, que tira sustento da
família apenas com a agricultura e com o benefício do Bolsa Família.
Mora com a mulher e um neto –três dos quatro filhos foram para Salvador,
e o que ficou na cidade está há um ano desempregado.
Sem
alternativa de renda, negocia parte do seu rebanho, que inclui sete
vacas e 12 carneiros. "A gente tem que se virar. Vende um carneiro mais
gordo, compra o mais um magro e junta um dinheiro."
Ele
usa palmas e mandacarus para alimentar o gado. E, quando falta no
sítio, leva o gado para a estrada em busca de restos de pastagem.
Em
casa, a única água potável é a que foi armazenada na cisterna nas
últimas chuvas. Nos fundos, há um pequeno reservatório de água
lamacenta, para molhar as plantas e dar para os animais. O carro-pipa
não esteve por lá.
TROVOADA DE NOVEMBRO
Com
apenas um caminhão-pipa do Exército e um da prefeitura, o abastecimento
tem sido priorizado em áreas mais povoadas da zona rural.
"Como
não dá para abastecer todas as casas, escolhemos uma cisterna para
encher que possa atender a várias famílias", diz Márcio Mascarenhas,
diretor municipal de Defesa Civil e Meio Ambiente.
Normalmente,
a água chega em escolas, associações ou na cisterna de algum morador da
comunidade que não tenha inimigos. "Se botar água na casa de um que não
fala com o outro, dá problema", diz Mascarenhas.
Sem
segurança hídrica e com a terra seca, os moradores torcem para que
cheguem as "trovoadas de novembro" para que a região não entre no sexto
ano seguido de estiagem. "O povo está esperando, né? Mas Deus é quem vai
dizer. Se mandar [a chuva], que seja para encher isso tudo", diz
Jovenito, sob um escaldante sol do meio-dia.
FOLHA DE SÃO PAULO